Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 16 de agosto de 2020

Pablo Neruda - Já não sei nada

Um poema no mínimo desconcertante do poeta chileno: como poderiam ser comprovados aspectos da existência por meras palavras – segundo Neruda, os vocábulos teriam o poder de atestar “robustas existências” –, nesse domínio das “ciências inexatas”, em contraposição à forma mais “científica” e “rigorosa” de se estabelecer evidências das ditas “ciências duras”, como a Física ou a Química?

Claro está que Neruda alude ao problema mesmo do conhecimento – e não porque desconheça os métodos das ciências exatas –, pois, seja como for, qualquer que seja o ramo do saber, envolto estará nos meandros elusivos da linguagem: é o “verbo” que se encontra no início e no fim de todas as coisas, permitindo que se “conheça” a realidade – eis que a vida é toda linguagem (obrigado Mário Faustino!) –, ainda que, sob outra perspectiva, nada se saiba, porque não há conhecimento que se explique!

Nem o verbo, tampouco o conhecimento repousam num plano absoluto de exatidão: mais palavras são necessárias para explicar o fenômeno da palavra; como explicar o verbo sem o emprego do próprio verbo?! Onde estará a mirada da alteridade na linguagem?!

J.A.R. – H.C.

Pablo Neruda
(1904-1973)

Ya no sé nada

En el perímetro y la exactitud
de ciencias inexactas, aquí estoy, compañeros,
sin saber explicar estos vocablos
que se trasladan poco a poco al cielo
y que prueban robustas existencias.

De nada nos valió
enterrar el avestruz en la cabeza
o hacernos agujeros en la tierra.
“No hay nada que saber, se sabe todo.”
“No nos molesten con la geometría.”

Lo cierto es que una abstracta incertidumbre
sale de cada caos que regresa
cada vez a ser orden,
y qué curioso, todo
comienza con palabras,
nuevas palabras que se sientan solas
a la mesa, sin previa invitación,
palabras detestables que tragamos
y que se meten en nuestros armarios,
en nuestras camas, en nuestros amores,
hasta que son, hasta que comienza
otra vez el comienzo por el verbo.

De: “Las manos del día” (1968)

O universo arquiteto
(Dennis Ellman: pintor norte-americano)

Já não sei nada

No perímetro e na exatidão
das ciências inexatas, aqui estou, companheiros,
sem saber explicar estes vocábulos
que se trasladam pouco a pouco ao céu
e que provam robustas existências.

De nada nos valeu
enterrar o avestruz na cabeça
ou fazer-nos buracos na terra.
“Não há nada por saber, tudo já se sabe”.
“Não nos incomodem com a geometria”.

O certo é que uma abstrata incerteza
sai de cada caos que volta
sempre a ser ordem,
e quão curioso, tudo
começa com palavras,
novas palavras que se sentem sozinhas
à mesa, sem convite prévio,
palavras detestáveis que tragamos
e que se metem em nossos armários,
em nossas camas, em nossos amores,
até que passam a ser, até que pelo verbo
dá-se outra vez começo ao começo.

Em: “As mãos do dia” (1968)

Referência:

NERUDA, Pablo. Ya no sé nada. In: __________. Antología poética. Edición de Rafael Alberti. 1. ed. La Plata, AR: Planeta, nov. 1996. p. 425. (Ediciones ‘Planeta Bolsillo’)

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