Um poema no mínimo desconcertante do poeta chileno: como poderiam ser comprovados aspectos da existência por meras palavras – segundo Neruda, os vocábulos teriam
o poder de atestar “robustas existências” –, nesse domínio das “ciências
inexatas”, em contraposição à forma mais “científica” e “rigorosa” de se
estabelecer evidências das ditas “ciências duras”, como a Física ou a Química?
Claro está que Neruda alude ao problema mesmo do conhecimento – e não
porque desconheça os métodos das ciências exatas –, pois, seja como for, qualquer
que seja o ramo do saber, envolto estará nos meandros elusivos da linguagem: é
o “verbo” que se encontra no início e no fim de todas as coisas, permitindo que
se “conheça” a realidade – eis que a vida é toda linguagem (obrigado Mário
Faustino!) –, ainda que, sob outra perspectiva, nada se saiba, porque não há
conhecimento que se explique!
Nem o verbo, tampouco o conhecimento repousam num plano absoluto de
exatidão: mais palavras são necessárias para explicar o fenômeno da palavra;
como explicar o verbo sem o emprego do próprio verbo?! Onde estará a mirada da
alteridade na linguagem?!
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda
(1904-1973)
Ya no sé nada
En el perímetro y la
exactitud
de ciencias
inexactas, aquí estoy, compañeros,
sin saber explicar
estos vocablos
que se trasladan poco
a poco al cielo
y que prueban
robustas existencias.
De nada nos valió
enterrar el avestruz
en la cabeza
o hacernos agujeros
en la tierra.
“No hay nada que
saber, se sabe todo.”
“No nos molesten con
la geometría.”
Lo cierto es que una
abstracta incertidumbre
sale de cada caos que
regresa
cada vez a ser orden,
y qué curioso, todo
comienza con
palabras,
nuevas palabras que
se sientan solas
a la mesa, sin previa
invitación,
palabras detestables
que tragamos
y que se meten en
nuestros armarios,
en nuestras camas, en
nuestros amores,
hasta que son, hasta
que comienza
otra vez el comienzo
por el verbo.
De: “Las manos del día” (1968)
O universo arquiteto
(Dennis Ellman:
pintor norte-americano)
Já não sei nada
No perímetro e na
exatidão
das ciências
inexatas, aqui estou, companheiros,
sem saber explicar
estes vocábulos
que se trasladam
pouco a pouco ao céu
e que provam robustas
existências.
De nada nos valeu
enterrar o avestruz
na cabeça
ou fazer-nos buracos
na terra.
“Não há nada por
saber, tudo já se sabe”.
“Não nos incomodem
com a geometria”.
O certo é que uma
abstrata incerteza
sai de cada caos que volta
sempre a ser ordem,
e quão curioso, tudo
começa com palavras,
novas palavras que se
sentem sozinhas
à mesa, sem convite
prévio,
palavras detestáveis
que tragamos
e que se metem em
nossos armários,
em nossas camas, em
nossos amores,
até que passam a ser,
até que pelo verbo
dá-se outra vez começo
ao começo.
Em: “As mãos do dia” (1968)
Referência:
NERUDA, Pablo. Ya no sé nada. In:
__________. Antología poética.
Edición de Rafael Alberti. 1. ed. La Plata, AR: Planeta, nov. 1996. p. 425.
(Ediciones ‘Planeta Bolsillo’)
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