O poeta fica exasperado com as pessoas que, numa estrada, pouco se
importam com os animais que a atravessam a todo instante, passando por cima
deles a cem por hora: tudo começa quando ele avista um sariguê – uma espécie de
gambá –, morto no meio de uma trilha encharcada, com um rombo nas costas e as
patas com os dedos arqueados.
Disposto a remover os despojos do animal do meio do caminho, o falante
puxa-o para fora da trilha, comportando-se como um judeu – Stern, diga-se, tem
ascendência judaica –, mirando-o diretamente nos olhos, a despeito de toda a
sua ação se perpassar por um frêmito de tristeza e abatimento, mesmo que, por
vontade, pretenda afirmar a beleza e o equilíbrio que flui pela “imortal
corrente da vida”, contra aqueles que, morbidamente, defendem uma filosofia que
faz terra arrasada da vida animal, aniquilando-os a seu bel-prazer.
J.A.R. – H.C.
Gerald Stern
(n. 1925)
Behaving Like a Jew
When I got there the
dead opossum looked like
an enormous baby
sleeping on the road.
It took me only a few
seconds – just
seeing him there – with
the hole in his back
and the wind blowing
through his hair
to get back again
into my animal sorrow.
I am sick of the
country, the bloodstained
bumpers, the stiff
hairs sticking out of the grilles,
the slimy highways,
the heavy birds
refusing to move;
I am sick of the
spirit of Lindbergh over everything,
that joy in death,
that philosophical
understanding of
carnage, that
concentration on the
species.
– I am going to be
unappeased at the opossum’s death.
I am going to behave
like a Jew
and touch his face,
and stare into his eyes,
and pull him off the
road.
I am not going to
stand in a wet ditch
with the Toyotas and
the Chevies passing over me
at sixty miles an
hour
and praise the beauty
and balance
and lose myself in
the immortal lifestream
when my hands are
still a little shaky
from his stiffness
and his bulk
and my eyes are still
weak and misty
from his round belly
and his curved fingers
and his black whiskers
and his little dancing feet.
Sariguê do Mississipi
(John Schoenherr:
ilustrador norte-americano)
Comportando-me Como um Judeu
Quando lá cheguei, o
sariguê morto parecia
um bebê enorme
dormindo na estrada.
Bastou-me somente
alguns segundos – apenas
vendo-o naquele lugar
– com uma cova nas costas
e o vento a soprar em
seu pelo,
para voltar outra vez
à minha tristeza animal.
Estou cansado deste
país, dos para-choques manchados
de sangue, dos pelos
rijos que saltam à vista nas grades,
das estradas
viscosas, dos pássaros pesados
que se recusam a
mover-se;
estou farto do
espírito de Lindbergh sobre tudo,
desse prazer na
morte, dessa concepção filosófica
acerca da carnificina,
dessa
contumácia sobre as
espécies.
– A morte do sariguê me
levará à exasperação.
Vou me comportar como
um judeu
e tocar sua face,
mirá-lo nos olhos
e arrastá-lo para
fora da estrada.
Não vou ficar sobre
uma trilha encharcada,
com os Toyotas e os
Chevies passando sobre mim
a cem quilômetros por
hora.
Bendirei a beleza e o
equilíbrio,
perdendo-me na
imortal corrente da vida, enquanto
minhas mãos padecem
um pouco de tremor
em razão de sua
rigidez e volume,
e meus olhos estão
ainda abatidos e turvos
por efeito de seu
ventre redondo, os dedos curvos,
os bigodes negros e os
pequenos pés dançantes.
Referência:
STERN, Gerald. Behaving like a jew. In:
DOVE, Rita (Ed.). The penguin anthology
of twentieth century american poetry. New York, NY: Penguin Books, 2013. p.
234.
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