Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 2 de agosto de 2020

Maria Lúcia Dal Farra - Natureza-Morta Vivente

Um afresco antitético, a começar pelo próprio título do poema, a enfatizar a dicotomia morto/vivo: é que a poetisa retrata em palavras uma natureza-morta, um conhecido gênero de pintura em que se representam coisas ou seres inanimados, mas que, paradoxalmente passou a manifestar impulso e vitalidade, talvez fruto da própria imaginação de Dal Farra.

Trata-se de arranjo em um terraço, sobre uma mesa preparada para o almoço, onde tudo ali está disposto sobre a toalha já meio avariada pelas não tencionadas pontadas de uma faca – maçãs e cerejas numa fruteira, peras e azeitonas, além da bebida, é claro, tudo isso tendo o céu e o mar à volta. Mas os elementos viventes em tal cenário são o voo de uma andorinha que põe tudo em balanço, além do próprio ente lírico, deglutindo os acepipes e levando a bebida aos lábios.

J.A.R. – H.C.

Maria Lúcia Dal Farra
(n. 1944)

Natureza-Morta Vivente

Culpa do delicado voo da andorinha,
o desequilíbrio da mesa
mete tremor nas fruteiras
arremessa maçãs para o Éden
faz cometa das cerejas.

Flutua o brócolis em regime de nave-mãe
enquanto põe embaraço
no impecável da toalha de almoço
– já um tanto alvoroçada e picotada
pela iminente imaginação
da faca.

É verdade que nesse terraço
(onde se perscruta o limite entre mortos e vivos)
nada perturba o mar que flui à deriva.
Tudo está plácido à tona d’água
– e o mesmo se diz daquilo que
(como o céu)
não sofre ranhuras
– ainda que abalado pela alada imagem inicial.

Há uma pera no ar.
E duas azeitonas que colho ao léu
mas com as quais mal posso preparar o drinque:

álcool volatizado na direção
do arremesso.

Quatro cerejas e uma andorinha
(Sarah Siltala: pintora norte-americana)

Referência:

FARRA, Maria Lúcia Dal. Natureza-morta vivente. In: __________. Alumbramentos. 1. ed. São Paulo, SP: Iluminuras, 2011. p. 70.

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