O poeta enreda-se na realidade e em sua poética,
evocando em metáforas o fluxo e refluxo do mar, ora mais corredio ora mais
moroso, cenário no qual, vez por outra, sentiu-se perdido, afinal há fatos e
circunstâncias, tanto no plano individual quanto na escala coletiva ou social,
que desafiam qualquer racionalidade, “arruinando desvios e pontes” – embora se
possa conjecturar que possuam um sentido velado e quase inapreensível.
Mesmo diante da falta de clareza desse rio, uma
corrente que se submete à redução dos versos, o falante não vive em tristeza:
ele se enlaça ao fruto que recebeu, denuncia-lhe os vícios, absorve-lhe a parte
mais sadia e o deixa passar. Afinal, como bem assenta o poeta russo Vladímir
Maiacovski (1893-1930), em “E então que quereis?...”, em tradução de Emílio
Carrera Guerra: “O mar da história é agitado. As ameaças e as guerras havemos
de atravessá-las, rompê-las ao meio, cortando-as como uma quilha corta as
ondas.” (MAIACOVSKI, 1987, p. 185)
J.A.R. – H.C.
José Carlos Capinan
(n. 1941)
Poeta e Realidade (Outra Didática)
Dou ao meu verso usos
de clareza
de um rio coerente à
sua limpeza.
Não desvirtuei a
cidade que percebi,
denunciei o fruto como
o recebera.
Não me veio pressa ao
fazer ou adquirir.
O que fiz exigia
madurar-se em corpo,
o que adquiri foi
bom, sendo por carência.
Antes tive fome e
sede, depois o gosto.
Como se alternaram os
caminhos,
preferi aquele que ao
mar se prestaria
qual raiz de
acontecimento
E alguma vez me
encontrei perdido.
Ante desvio e ponte
arruinados
surpreendido o verso
é grave e pesa, o verso é grave.
Mas como tudo, sei,
guarda um sentido
nenhuma tristeza
tenho da realidade.
Da mãe-terra corre o rio da vida
(Daphne Odjig:
artista canadense)
Referências:
CAPINAN, José Carlos.
Poeta e realidade. In: FÉLIX, Moacyr (Dir.). Poesia Viva I. Introdução de Antônio Houaiss. Rio de Janeiro, RJ:
Civilização Brasileira, 1968. p. 265. (Coleção ‘Poesia Hoje’, Direção Moacyr
Félix, v. 18, Série ‘Novos Poetas do Brasil’)
MAIACOVSKI, Vladímir. Antologia poética. Estudo biográfico e
tradução de Emílio Carrera Guerra. 4. ed. São Paulo, SP: Max Limonad, 1987.
(Série ‘Literatura’, n. 3)
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