A metáfora do outono para a parte final
de uma vida, quando já o “trade-off”, entre usufruir o agora para “pagar” depois
ou o “poupar” agora para usufruir depois, há muito se atenuou, considerando
que o usufruto dos anos vividos terá acelerado em muito a probabilidade da
finitude: eis o que aqui paira nos pensamentos e divagações do poeta.
Ouve ele a “funérea canção da Folha
Morta” e todo o cenário impressionista elaborado parece pulular na tela que se
nos apresenta: suaves crepúsculos, névoas, bizarras impressões, velas, aromas e
lágrimas; o lamento, a indolência, a lentidão e a calma de um homem grisalho; e,
ao fundo, uma derradeira nota ao violino de não identificada composição de Schumann.
J.A.R. – H.C.
Mário Pederneiras
(1867-1915)
No Caminho da Vida
No caminho da vida
Ouço o Outono que
chega, aromado e macio
E grisalho da luz dos
crepúsculos suaves...
Entretanto, vão perto
os rumores do Estio,
A vigorosa lida
E a estranha agudeza
de impressões bizarras,
De som, de luz, de
cor, de sonhos e de aves,
Com que o Sol
movimenta Almas e Natureza,
No tempo em que se
tem – Mocidade e Cigarras.
É o Outono que chega!
Ouço-lhe o ritmo lento
No rumor do desgalho
E no humano lamento
Da aragem;
Vejo-o, calmo e
grisalho
Na doçura da luz que
amacia a paisagem.
Sinto-o bem, nesta
espécie de afago
Que dele se erradia;
Ouço-o bem, na
indolência do lago
De água morta que
espelha o fim azul do dia.
O Outono recorda
Outro tempo, outra
luz, outra terra, outra idade,
A asa alígera e
branca
A quermesse do Estio
E outra vida mais
franca
Em que o sonho melhor
o sono borda.
O Outono é suave, é
dolente, é macio,
Mas, o Outono é
também uma grande saudade,
E agora
Assim,
Como o vejo lá fora,
Sinto-o, dentro de
mim.
Uma folha que cai, um
verso que soluça,
A névoa que a descer
o alto de um cerro embuça.
Uma nota final de
Schumann em violino,
Uma lágrima, um sino.
Uma vela que parte,
ou uma asa que voa,
Folhas, velas ou
névoa, lágrima ou rima.
Tudo quanto, afinal,
represente ou exprima,
A indolência
De um gesto
Lento, vago, modesto.
A saudade, o Adeus, a
distância, o abandono.
A minha vida chega e
aos meus ouvidos soa.
Na suave cadência
Com que a vida
acalenta a chegada do Outono.
É no Outono que a
Terra à luz velhinha e boa
De um pôr de Sol que
à cisma exorta
Entoa
A funérea canção da
Folha Morta.
Velho na floresta
(Petar Meseldžija:
ilustrador sérvio)
Referência:
PEDERNEIRAS, Mário. No caminho da vida.
In: FIGUEIREDO, José Valle de (Compilador). Antologia da poesia brasileira. Lisboa, PT: Editorial Verbo, s/d
[197?]. p. 93-94.
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