Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Mário Pederneiras - No Caminho da Vida

A metáfora do outono para a parte final de uma vida, quando já o “trade-off”, entre usufruir o agora para “pagar” depois ou o “poupar” agora para usufruir depois, há muito se atenuou, considerando que o usufruto dos anos vividos terá acelerado em muito a probabilidade da finitude: eis o que aqui paira nos pensamentos e divagações do poeta.

Ouve ele a “funérea canção da Folha Morta” e todo o cenário impressionista elaborado parece pulular na tela que se nos apresenta: suaves crepúsculos, névoas, bizarras impressões, velas, aromas e lágrimas; o lamento, a indolência, a lentidão e a calma de um homem grisalho; e, ao fundo, uma derradeira nota ao violino de não identificada composição de Schumann.

J.A.R. – H.C.

Mário Pederneiras
(1867-1915)

No Caminho da Vida

No caminho da vida
Ouço o Outono que chega, aromado e macio
E grisalho da luz dos crepúsculos suaves...

Entretanto, vão perto os rumores do Estio,
A vigorosa lida
E a estranha agudeza de impressões bizarras,
De som, de luz, de cor, de sonhos e de aves,
Com que o Sol movimenta Almas e Natureza,
No tempo em que se tem – Mocidade e Cigarras.

É o Outono que chega! Ouço-lhe o ritmo lento
No rumor do desgalho
E no humano lamento
Da aragem;
Vejo-o, calmo e grisalho
Na doçura da luz que amacia a paisagem.
Sinto-o bem, nesta espécie de afago
Que dele se erradia;
Ouço-o bem, na indolência do lago
De água morta que espelha o fim azul do dia.

O Outono recorda
Outro tempo, outra luz, outra terra, outra idade,
A asa alígera e branca
A quermesse do Estio
E outra vida mais franca
Em que o sonho melhor o sono borda.

O Outono é suave, é dolente, é macio,
Mas, o Outono é também uma grande saudade,
E agora
Assim,
Como o vejo lá fora,
Sinto-o, dentro de mim.

Uma folha que cai, um verso que soluça,
A névoa que a descer o alto de um cerro embuça.
Uma nota final de Schumann em violino,
Uma lágrima, um sino.
Uma vela que parte, ou uma asa que voa,
Folhas, velas ou névoa, lágrima ou rima.
Tudo quanto, afinal, represente ou exprima,
A indolência
De um gesto
Lento, vago, modesto.

A saudade, o Adeus, a distância, o abandono.
A minha vida chega e aos meus ouvidos soa.
Na suave cadência
Com que a vida acalenta a chegada do Outono.
É no Outono que a Terra à luz velhinha e boa
De um pôr de Sol que à cisma exorta
Entoa
A funérea canção da Folha Morta.

Velho na floresta
(Petar Meseldžija: ilustrador sérvio)

Referência:

PEDERNEIRAS, Mário. No caminho da vida. In: FIGUEIREDO, José Valle de (Compilador). Antologia da poesia brasileira. Lisboa, PT: Editorial Verbo, s/d [197?]. p. 93-94.

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