Kabir censura os hábitos equivocados dos iogues, capazes de os levar às
portas da morte, de mãos e pés atados: eles tingem as suas roupas, quando
deveriam matizar suas mentes com as cores do amor. Por igual, sentam-se nos
templos e, em vez de entrar em sintonia com o espírito de Brahma, passam a
adorar uma sua representação em pedra.
Ou ainda: raspam a cabeça pelos seus mortos e, muitos deles, tornam-se
eunucos em regiões distantes, matando todos os seus desejos, ou, em outro
padrão, perfuram os lóbulos das orelhas, deixando as barbas e as mechas dos
cabelos crescerem livremente num emaranhado, mais parecendo bodes em estado
natural. Por fim, transformam-se em desenvoltos comentadores falastrões, depois
que leem o Gita.
Um detalhe: Kabir nasceu em Varanasi (Benares), na Índia, e não há que
se duvidar de haver presenciado aquilo que aqui descreve, pois é nessa
cidade que, ainda hoje, se levam à frente os tradicionais rituais aos mortos,
às margens do Ganges, rio sagrado onde os hindus, ademais, costumam lavar suas
vestes. Como em outras religiões, os rituais passam a valer mais do que a busca
sincera de união com o espírito do Eterno, motivo condutor para a monitória de
Kabir.
J.A.R. – H.C.
Kabir
(1440-1518)
[66]
Nas cerimônias do
templo,
Entregue a seus
rituais meticulosos,
O crente adora um
ídolo de pedra.
Nas escadarias do
Ganges,
Com cabelos e barbas
desgrenhados,
O asceta assemelha-se
a um bode.
Na solidão árida do
deserto,
Depois de matar de
sede seus desejos,
O eremita
transforma-se em eunuco.
No denso burburinho
da cidade,
Declamando em voz
alta as Escrituras,
O erudito assume o
tomo do falastrão.
Kabir diz: Ó tolos!
Despertais!
Estais todos diante
do portal da morte,
Com as mãos e os pés
atados.
Bharatmata
(Subrata Ghosh:
artista indiano)
Referência:
KABIR. Poema nº 66: Nas cerimônias do
templo... Tradução de José Tadeu Arantes. In: KABIR. Cem poemas.
Seleção e tradução ao inglês de R. Tagore. Tradução, ensaios e notas de José
Tadeu Arantes. São Paulo: Attar, 2013.
Obs.: Não há, na obra acima, quaisquer
referências aos números de suas páginas, senão apenas a indexação dos poemas
aos números em colchetes, apostos imediatamente acima da tradução, assim como o
fazemos no topo desta postagem.
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Uma observação com respeito à paginação da obra de onde foram extraídos os poemas acima: verifiquei, com um certo atraso, que há numeração nas páginas do livro apenas nas partes que precede os poemas (até a página 26) e que os sucede (da página 131 até 135).
ResponderExcluirNesse sentido, pode-se obter a página onde inserto o aludido poema, a saber: Poema nº 66 - p. 94.
João A. Rodrigues