Herbert, certamente, foi bastante inspirado pela filosofia estoica do
imperador romano Marco Aurélio (121 d.C. – 180 d.C.), a ponto de dialogar
imaginariamente com ele nos versos deste poema (original em polonês neste endereço), impregnados por uma linguagem que avança à crítica da situação moral
e filosófica de uma nação como a sua Polônia natal, oprimida àquela altura por
um regime totalitário que tentava, a todo custo, cooptar artistas e
intelectuais, como o próprio poeta.
Destaque: a dedicatória do poema ao Prof. Henryk Elzenberg (1887-1967),
especialista em filosofia greco-romana, deve-se à publicação de seu trabalho “Marco
Aurélio: da história e da psicologia da ética”, em 1921, no qual são resgatadas
as ideias do imperador para se combater o sofrimento e se valorizar a
liberdade, independentemente de fatores externos adversos – àquela época muito
associados às lutas dos domínios ditos “civilizados” contra os “bárbaros”, contingência
decisiva para o desmoronamento “das quatro paredes do mundo”, ou melhor, do
Império Romano.
J.A.R. – H.C.
Zbigniew
Herbert
(1924-1998)
To Marcus Aurelius
for professor Henryk Elzenberg
Good night Marcus put
out the light
and shut the book For
overhead
is raised a gold
alarm of stars
heaven is talking
some foreign tongue
this the barbarian
cry of fear
your Latin cannot
understand
Terror continuous
dark terror
against the fragile
human land
begins to beat It’s winning
Hear
its roar The
unrelenting stream
of elements will
drown your prose
until the world’s
four walls go down
As for us? – to
tremble in the air
blow in the ashes
stir the ether
gnaw our fingers seek
vain words
drag off the fallen
shades behind us
well Marcus better
hang up your peace
give me your hand
across the dark
Let it tremble when
the blind world beats
on senses five like a
failing lyre
Traitors – universe
and astronomy
reckoning of stars
wisdom of grass
and your greatness
too immense
and Marcus my
defenceless tears
(Translated from the Polish to English
by Czeslaw Milosz and Peter Dale Scott)
Marco Aurélio
(121 d.C. – 180 d.C.)
A Marco Aurélio
para o professor Henryk Elzenberg
Boa noite Marco apaga
a lâmpada
e fecha o livro Já
sobre a cabeça
ergue-se o alarma
argênteo das estrelas
este céu fala uma
língua estrangeira
é o grito bárbaro de
terror
que o teu latim
desconhece
é o medo eterno o
escuro medo
que contra a frágil
terra humana começa
a bater E vencerá
Escutas o marulho
é a preamar Demolirá
tuas letras
a corrente
inestancável dos elementos
até ruírem as quatro
paredes do mundo
e quanto a nós –
tremer ao vento
e de novo bafejar nas
cinzas turvar o éter
morder os dedos
buscar palavras vãs
e arrastar atrás de
si a sombra dos que tombaram
então Marco melhor te
despir da calma
e estender a mão pela
escuridão
que trema quando
percutir nos cinco sentidos
como numa lira tênue
o universo cego
nos trairá o universo
a astronomia
o cálculo das
estrelas e a sabedoria do capim
e sua grandeza demasiadamente
imensa
e meu impotente Marco
choro
Referências:
Em Inglês:
HERBERT, Zbigniew. To Marcus Aurelius. Translated
from the Polish to English by Czeslaw Milosz and Peter Dale Scott. In:
McCLATCHY, J. D. (Ed.). The vintage book
of contemporary world poetry. 1st. ed. New York, NY: Vintage Books (A
Division of Random House Inc.), june 1996. p. 147.
Em Português
HERBERT, Zbigniew. A Marco Aurélio.
Tradução de Piotr Kilanowski. In: KILANOWSKI, Piotr. “Queria permanecer fiel à clareza incerta...”: sobre a poesia de
Zbigniew Herbert. Tese submetida ao Programa de Pós-graduação em Literatura da Universidade
Federal de Santa Catarina - UFSC. Florianópolis, SC: Edição do autor, 2018. p.
140-141. Disponível neste endereço. Acesso em: 24 mai. 2020.
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