Neste “envoi” (envio), uma espécie de palavra final de um autor em sua composição
literária, a desejar que ela seja apreciada pelo público, o poeta esmera-se em declarar
a perenidade da beleza, como a de uma mulher fixada num mito grego –
inextinguível pelo tempo, mesmo depois de haver chegado à idade avançada –, apesar
de, ao fim e ao cabo, não estar totalmente convicto de que o seu longo poema venha,
de fato, a encontrar acolhida favorável junto aos leitores.
Porque, para Pound, o que importa é a beleza da arte, essa rosa selada
em âmbar, preservada para sempre, aliás, como o próprio poema, em sua rara
cadência lírica, tentando ressuscitar o passado, certo dia glorioso, e
restabelecer, por meio de um prodígio de magia, aquilo que o tempo desmantelou
no império da perpetuidade, dando “vida ao momento”.
J.A.R. – H.C.
Ezra Pound
(1885-1972)
Hugh Selwyn Mauberley
Envoi
O, dumb-born book,
Tell her that sang me
once that song of Lawes;
Hadst thou but song
As thou hast subjects
known,
Then were there cause
in thee that should condone
Even my faults that
heavy upon me lie
And build her glories
their longevity.
Tell her that sheds
Such treasure in the
air,
Recking naught else
but that her graces give
Life to the moment,
I would bid them live
As roses might, in
magic amber laid,
Red overwrought with
orange and all made
One substance and one
colour
Braving time.
Tell her that goes
With song upon her
lips
But sings not out the
song, nor knows
The maker of it, some
other mouth,
May be as fair as
hers,
Might, in new ages,
gain her worshippers,
When our two dusts
with Waller’s shall be laid,
Sittings on siftings
in oblivion,
Till change hath
broken down
All things save Beauty
alone.
O Encanto
(Michael & Inessa
Garmash: casal russo-ucraniano)
Hugh Selwyn Mauberley
Envoi
Vai, livro natimudo,
E diz a ela
Que um dia me cantou
essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos
temas,
Então se acabariam
minhas penas,
Meus defeitos sanados
em poemas
Para fazê-la eterna
em minha voz.
Diz a ela que espalha
Tais tesouros no ar,
Sem querer nada mais
além de dar
Vida ao momento,
Que eu lhes
ordenaria: vivam,
Quais rosas, no âmbar
mágico, a compor,
Rubribordadas de ouro,
só
Uma substância e cor
Desafiando o tempo.
Diz a ela que vai
Com a canção nos
lábios
Mas não canta a
canção e ignora
Quem a fez, que
talvez uma outra boca
Tão bela quanto a
dela
Em novas eras há de
ter aos pés
Os que a adoram
agora,
Quando os nossos dois
pós
Com o de Waller se
deponham, mudos,
No olvido que refina
a todos nós,
Até que a mutação
apague tudo
Salvo a Beleza, a
sós.
(Folhetim, 08.01.84)
Referências:
Em Inglês
POUND, Ezra. Hugh Selwyn Mauberley: envoi. Disponível neste endereço. Acesso em:
26 mai. 2020.
Em Português
POUND, Ezra. Hugh Selwyn Mauberley:
envoi. Tradução de Augusto de Campos. In: SUZUKI JR., Matinas; ASCHER, Nelson
(Organizadores). Folhetim: poemas
traduzidos. São Paulo, SP: Folha de São Paulo, 1987. p. 71.
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