Se para o lusitano Fernando Pessoa
(1888-1935) o poeta é um “fingidor”, para o francês Victor Hugo (1802-18850)
ele nada mais é do que um “sonhador”. E um sonhador reconhecido em seu estado
pelas forças da natureza – árvores, plantas e flores às margens dos caminhos
que costuma percorrer em seus dias −, como se na natureza houvesse uma forma
de inteligência que a ela permitisse distingui-lo dos outros seres.
Com efeito, árvores, plantas e flores emergem
como fonte de inspiração para o poeta, sobretudo para o vate romântico, obcecado
por suas emoções pessoais e pela beleza à volta. O poeta, assim, seria uma espécie
de Orfeu, que, por meio da magia de seu canto, humaniza e sujeita a natureza à
sua vontade, tornando-se um potentado capaz de apreender o mundo tão bem quanto
– quem haveria de o contestar?! − os que se dedicam à causa da Ciência.
J.A.R. – H.C.
Victor Hugo
(1802-1885)
Le poète s’en va dans les champs
Le poète s’en va dans
les champs; il admire.
Il adore; il écoute
en lui-même une lyre;
Et le voyant venir,
les fleurs, toutes les fleurs.
Celles qui des rubis
font pâlir les couleurs.
Celles qui des paons
même éclipseraient les queues.
Les petites fleurs d’or,
les petites fleurs bleues.
Prennent, pour l’accueillir
agitant leurs bouquets.
De petits airs
penchés ou de grands airs coquets,
Et, familièrement,
car cela sied aux belles:
– Tiens! c’est notre
amoureux qui passe! disent-elles.
Et, pleins de jour et
d’ombre et de confuses voix.
Les grands arbres
profonds qui vivent dans les bois,
Tous ces vieillards,
les ifs, les tilleuls, les érables.
Les saules tout
ridés, les chênes vénérables,
L’orme au branchage
noir, de mousse appesanti.
Comme les ulémas
quand paraît le muphti;
Lui font de grands
saluts et courbent jusqu’à terre
Leurs têtes de
feuillée et leurs barbes de lierre.
Contemplent de son
front la sereine lueur.
Et murmurent tout bas:
C’est lui! c’est le rêveur!
Les Roches, juin 1831
Dans: “Les contemplations” (1856)
Homem atravessando um
campo ao entardecer
(Benjamin Haughton:
pintor inglês)
O poeta vai pelos campos
O poeta vai pelos
campos; ele admira,
ele adora; ouve em si
mesmo uma lira;
e vendo-o vir, as
flores, todas as flores,
que dos rubis apagam
as cores,
que do pavão o rabo
anulam
a florzinha de ouro,
a florzinha azul,
assumem, para em seus
ramos acolhê-lo,
jeitinhos distraídos,
jeitões bem faceiros,
e, familiarmente,
pois convém às belas:
“Calma! é nosso
amante que passa”, dizem elas.
E, cheias de dia e
sombra e confusas vozes
As profundas árvores
que vivem nos bosques,
Essas anciãs, os
teixos, as tílias, os áceres,
Salgueiros enrugados,
carvalhos veneráveis,
O olmo de ramagem
negra, o musgo grave,
Como os ulemás quando
o mufti surge,
Saúdam-lhe e se
curvam até a terra
A cabeça frondosa e
as barbas de hera,
Contemplam em sua
fronte o sereno fulgor,
E murmuram baixinho:
“Ei-lo! é o sonhador”.
Les Roches, junho de 1831
Em: “As contemplações” (1856)
Referência:
HUGO, Victor. Le poète s’en va dans les
champs / O poeta vai pelos campos. Tradução de William Zeytounlian. In: MENDONÇA,
Vanderley (Ed.). Lira argenta:
poesia em tradução. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Selo Demônio Negro, 2017.
Em francês: p. 136; em português: p. 137.
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