Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 22 de agosto de 2020

Aimé Césaire - Sol serpente

Num estilo de escrita que muito se parece com a dos surrealistas franceses, como Breton (1896-1966) ou Tzara (1896-1963) – a propósito, Césaire nasceu em Martinica, região ultramarina francesa –, este poema se plasma em imagens nitidamente extraídas à tropicalidade das Pequenas Antilhas caribenhas, ensolaradas e providas de um mar prodigiosamente belo.

Há colação de visões a opor sentidos como o gelo e o fogo, ou mesmo referências que, ora certamente ora muito provavelmente, não fazem parte do cenário natural da terra natal do poeta, suscitando a gênese de uma “realidade paralela”. Além, é claro, de uma última referência ao açúcar da palavra “Brasil”, decantado no “fundo do pântano” – um gênero inusitado de acoplamento de ideias capaz de ser “explicado” de mil maneiras, mas que, paradoxalmente, poderia estar mais além de qualquer redução a um plano racional ou inteligível.

J.A.R. – H.C.

Aimé Césaire
(1913-2008)

Soleil serpent

Soleil serpent œil fascinant mon œil
et la mer pouilleuse d’îles craquant aux doigts des roses
lance-flamme et mon corps intact de foudroyé
l’eau exhausse les carcasses de lumière perdues dans le couloir sans pompe
des tourbillons de glaçons auréolent le cœur fumant des corbeaux
nos cœurs
c’est la voix des foudres apprivoisées tournant sur leurs gonds de lézarde
transmission d’anolis au paysage de verres cassés
c’est les fleurs vampires à la relève des orchidées
élixir du feu central
feu juste feu manguier de nuit couvert d’abeilles
mon désir un hasard de tigres surpris aux soufres
mais l’éveil stanneux se dore des gisements enfantins
et mon corps de galet mangeant poisson
mangeant colombes et sommeils
le sucre du mot Brésil au fond du marécage.

Dans: “Les Armes Miraculeuses” (1946)

O sol e a serpente
(Sanda Iliescu: artista romena)

Sol serpente

Sol serpente olho fascinante meu olho
e o mar infestado de ilhas rendido aos dedos das rosas
lança-chamas e o meu corpo intocado pelos raios
a água levanta as carcaças de luz perdidas no estreito sem pompa
em meio a turbilhões de pingentes de gelo aureolam os corações
fumegantes dos corvos
nossos corações
são a voz dos raios mitigados volteando sobre seus gonzos de lagarta
transmissão de anolis (*) à paisagem de vidros partidos
são as flores vampiras para as orquídeas que hão de vir
elixir do fogo central
fogo justo fogo noturno em mangueira repleta de abelhas
meu desejo é um acaso de tigres surpreendidos nos enxofres
mas o despertar estanhoso se doura das jazidas infantis
e o meu corpo de seixo comendo peixe
comendo pombas e a dormitar
o açúcar da palavra Brasil no fundo do pântano.

Em: “As Armas Miraculosas” (1946)

Nota:

(*) Anolis é o nome pelo qual se designa um gênero de pequenos lagartos, muito comuns em terras das três Américas, geralmente insetívoros, territoriais quando adultos e de hábitos um tanto arborícolas.

Referência:

CÉSAIRE, Aimé. Soleil serpent. In: __________. The collected poetry. Translated, with introduction and notes by Clayton Eshleman and Annette Smith. A bilingual edition: french x english. Berkeley and Los Angeles, CA: University of California Press, 1983. p. 104.

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