Percebe-se neste poema de Éluard – a menos
que este intérprete esteja a aferir as palavras por uma situação-limite não
tencionada pelo autor − certa espécie de chamamento a uma agitação que poderia
se assemelhar, de algum modo, à Comuna de Paris (18.3 a 28.5.1871): um levante
dos pobres da cidade contra as forças que impõem tal estado de coisas à maioria
oprimida nas ruas e logradouros da urbe.
Ou então, o que representaria a evocação
de que os “escravos vão se levantar”, caso compreendam as razões de seu estado
de pobreza – desalienação, decerto, formularia qualquer hermeneuta marxista! A
propósito, uma oportuna inflexão: aqui em Pindorama, aos olhos dos que
aportaram no poder federal, há comunistas à mancheia – uma forma loquaz, verborrágica
para se adjetivar qualquer um que se lhes expila as verdades mais cristalinas
na cara!
J.A.R. – H.C.
Paul Éluard
(1895-1952)
Courage
Paris a froid Paris a
faim
Paris ne mange plus
de marrons dans la rue
Paris a mis de vieux
vêtements de vieille
Paris dort tout
debout sans air dans le métro
Plus de malheur
encore est imposé aux pauvres
Et la sagesse et la
folie
De Paris malheureux
C’est l’air pur c’est
le feu
C’est la beauté c’est
la bonté
De ses travailleurs
affamés
Ne crie pas au
secours Paris
Tu es vivant d’une vie
sans égale
Et derrière la nudité
De ta pâleur de ta
maigreur
Tout ce qui est
humain se révèle en tes yeux
Paris ma belle ville
Fine comme une
aiguille forte comme une épée
Ingénue et savante
Tu ne supportes pas
l’injustice
Pour toi c’est le
seul désordre
Tu vas te libérer
Paris
Paris tremblant comme
une étoile
Notre espoir
survivant
Tu vas te libérer de
la fatigue et de la boue
Frères ayons du
courage
Nous qui ne sommes
pas casqués
Ni bottés ni gantés
ni bien élevés
Un rayon s’allume en
nos veines
Notre lumière nous
revient
Les meilleurs d’entre
nous sont morts pour nous
Et voici que leur
sang retrouve notre coeur
Et c’est de nouveau
le matin un matin de Paris
La pointe de la
délivrance
L’espace du printemps
naissant
La force idiote a le
dessous
Ces esclaves nos
ennemis
S’ils ont compris
S’ils sont capables
de comprendre
Vont se lever.
Paris através da
janela
(Marc Chagall: pintor
russo-francês)
Coragem
Paris tem frio Paris
tem fome
Paris já não come
castanhas na rua
Paris se pôs roupas gastas
de velha
Paris dorme de pé sem
ar no metrô
Impõe-se ainda mais
infortúnio aos pobres
E a sabedoria e a
loucura
De Paris desafortunada
É o ar puro é o fogo
É a beleza é a
bondade
Dos seus famintos
trabalhadores
Não clames por ajuda
Paris
Estás vivendo uma
vida sem igual
E por trás da nudez
Da tua palidez da tua
magreza
Tudo o que é humano
se revela em teus olhos
Paris minha bela
cidade
Afilada como uma
agulha forte como uma espada
Ingênua e sábia
Não suportas a
injustiça
Para ti essa é a única
desordem
Tu vais te libertar
Paris
Paris tremeluzente
como uma estrela
Nossa sobrevivente
esperança
Vais te libertar da
fadiga e da lama
Irmãos tenhamos
coragem
Nós que não temos capacetes
Nem botas nem luvas
nem bons modos
Um raio se acende em
nossas veias
Nossa luz nos retorna
Os melhores de nós
morreram por nós
E eis que o sangue
deles regressa ao nosso coração
E é manhã outra vez
uma manhã de Paris
O despontar da
libertação
O espaço da primavera
que irrompe
A força bruta não é invulnerável
Esses escravos nossos
inimigos
Se compreenderem
Se forem capazes de
compreender
Vão se rebelar.
Referência:
ÉLUARD, Paul. Courage. In: SCOTT, Clive
(Ed.). Anthologie Éluard. Methuen’s
Twentieth Century French Texts. London, EN: Methuen Educational, 1983. p.
55-56.
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