Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Georg Trakl - Canção de Kaspar Hauser

Este poema de Trakl associa-se ao jovem Kaspar Hauser (1812-1833), cuja biografia deu ensejo à obra “Kaspar Hauser ou a indolência do coração” (1908), do novelista alemão Jakob Wassermann (1873-1934), ou mesmo à película “O enigma de Kaspar Hauser” (1974), do diretor de origem também alemã Werner Herzog (n. 1942).

Abstenho-me de descrever o que sucedeu a Kaspar Hauser em vida, remetendo o internauta à leitura da síntese apresentada pela Wikipédia, neste endereço. Quanto ao que se fixa na memória dos que têm ciência de sua lúgubre biografia, certamente, irrompem as vastidões do fenômeno da incomunicabilidade humana e a falta de amparo em uma linguagem capaz de dar contornos ao insulamento a que se submetem tantas criaturas sobre a terra.

No poema de Trakl quase se percebe uma espécie de glorificação santificada do imolado: se o poeta o chama por “não-nascido”, pode-se supor que se trate de um nascimento metafórico para as luzes do discernimento humano, em forte contraste com as descrições fúlgidas que pairam nos versos do poema, nos quais a natureza desponta aprazível aos olhos de Kaspar, tantos anos enclausurado em um cativeiro soturno.

J.A.R. – H.C.

Georg Trakl
(1887-1914)

Kaspar Hauser Lied

Für Bessie Loos

Er wahrlich liebte die Sonne, die purpurn
den Hügel hinabstieg,
Die Wege des Walds, den singenden Schwarzvogel
Und die Freude des Grüns.

Ernsthaft war sein Wohnen im Schatten des Baums
Und rein sein Antlitz.
Gott sprach eine sanfte Flamme zu seinem Herzen:
O Mensch!

Stille fand sein Schritt die Stadt am Abend;
Die dunkle Klage seines Munds:
Ich will ein Reiter werden.

Ihm aber folgte Busch und Tier,
Haus und Dämmergarten weißer Menschen
Und sein Mörder suchte nach ihm.

Frühling und Sommer und schön der Herbst
Des Gerechten, sein leiser Schritt
An den dunklen Zimmern Träumender hin.
Nachts blieb er mit seinem Stern allein;

Sah, daß Schnee fiel in kahles Gezweig
Und im dämmernden Hausflur
den Schatten des Mörders.

Silbern sank des Ungebornen Haupt hin.

Tríptico de Kaspar Hauser: III
(Udo Winkler: artista alemão)

Canção de Kaspar Hauser

Para Bessie Loos

Ele amava realmente o sol que descia
em púrpura a colina,
As sendas da floresta, o canoro pássaro preto
E a alegria do verde.

Era grave sua morada à sombra da árvore
E puro seu semblante.
Deus falou – uma chama suave – ao seu coração:
Oh, homem!

À noite seu passo encontrou a cidade em silêncio;
O obscuro lamento da sua boca:
Eu quero ser cavaleiro.

Mas seguiam-no no arbusto animal,
Casa e jardins sombrios de homens brancos
E o assassino o procurava.

Primavera e verão e belo o outono
Do Justo, sua passada leve
Junto aos quartos escuros dos sonhadores:
À noite ele ficava só som sua estrela.

Viu que a neve caía nos galhos nus
E no umbral ao crepúsculo
A sombra do assassino.

Tombou em prata a cabeça do não-nascido.

Folhetim, 16.01.83

Referências:

Em Alemão

TRAKL, Georg. Kaspar Hauser Lied. In: STRUVE, Ulrich (Hrsg.). Der findling: Kaspar Hauser in der literatur. Stuttgart, DE: J. B. Metzler Verlag, 1992. s. 160-161.

Em Português

TRAKL, Georg. Canção de Kaspar Hauser. Tradução de Modesto Carone. In: SUZUKI JR., Matinas; ASCHER, Nelson (Organizadores). Folhetim: poemas traduzidos. São Paulo, SP: Folha de São Paulo, 1987. p. 27.

Nenhum comentário:

Postar um comentário