Este poema de Trakl associa-se ao jovem Kaspar Hauser (1812-1833), cuja
biografia deu ensejo à obra “Kaspar Hauser ou a indolência do coração” (1908),
do novelista alemão Jakob Wassermann (1873-1934), ou mesmo à película “O enigma
de Kaspar Hauser” (1974), do diretor de origem também alemã Werner Herzog (n.
1942).
Abstenho-me de descrever o que sucedeu a Kaspar Hauser em vida, remetendo
o internauta à leitura da síntese apresentada pela Wikipédia, neste endereço. Quanto
ao que se fixa na memória dos que têm ciência de sua lúgubre biografia, certamente,
irrompem as vastidões do fenômeno da incomunicabilidade humana e a falta de
amparo em uma linguagem capaz de dar contornos ao insulamento a que se submetem
tantas criaturas sobre a terra.
No poema de Trakl quase se percebe uma espécie de glorificação
santificada do imolado: se o poeta o chama por “não-nascido”, pode-se supor que
se trate de um nascimento metafórico para as luzes do discernimento humano, em
forte contraste com as descrições fúlgidas que pairam nos versos do poema, nos
quais a natureza desponta aprazível aos olhos de Kaspar, tantos anos enclausurado
em um cativeiro soturno.
J.A.R. – H.C.
Georg Trakl
(1887-1914)
Kaspar Hauser Lied
Für Bessie Loos
Er wahrlich liebte
die Sonne, die purpurn
den Hügel hinabstieg,
Die Wege des Walds,
den singenden Schwarzvogel
Und die Freude des
Grüns.
Ernsthaft war sein
Wohnen im Schatten des Baums
Und rein sein
Antlitz.
Gott sprach eine
sanfte Flamme zu seinem Herzen:
O Mensch!
Stille fand sein
Schritt die Stadt am Abend;
Die dunkle Klage
seines Munds:
Ich will ein Reiter
werden.
Ihm aber folgte Busch
und Tier,
Haus und Dämmergarten
weißer Menschen
Und sein Mörder
suchte nach ihm.
Frühling und Sommer
und schön der Herbst
Des Gerechten, sein
leiser Schritt
An den dunklen
Zimmern Träumender hin.
Nachts blieb er mit
seinem Stern allein;
Sah, daß Schnee fiel
in kahles Gezweig
Und im dämmernden
Hausflur
den Schatten des
Mörders.
Silbern sank des
Ungebornen Haupt hin.
Tríptico de Kaspar Hauser: III
(Udo Winkler: artista
alemão)
Canção de Kaspar Hauser
Para Bessie Loos
Ele amava realmente o
sol que descia
em púrpura a colina,
As sendas da
floresta, o canoro pássaro preto
E a alegria do verde.
Era grave sua morada
à sombra da árvore
E puro seu semblante.
Deus falou – uma
chama suave – ao seu coração:
Oh, homem!
À noite seu passo
encontrou a cidade em silêncio;
O obscuro lamento da
sua boca:
Eu quero ser
cavaleiro.
Mas seguiam-no no
arbusto animal,
Casa e jardins
sombrios de homens brancos
E o assassino o
procurava.
Primavera e verão e
belo o outono
Do Justo, sua passada
leve
Junto aos quartos
escuros dos sonhadores:
À noite ele ficava só
som sua estrela.
Viu que a neve caía
nos galhos nus
E no umbral ao
crepúsculo
A sombra do
assassino.
Tombou em prata a
cabeça do não-nascido.
Folhetim, 16.01.83
Referências:
Em Alemão
TRAKL, Georg. Kaspar Hauser Lied. In:
STRUVE, Ulrich (Hrsg.). Der findling:
Kaspar Hauser in der literatur. Stuttgart, DE: J. B. Metzler Verlag, 1992. s.
160-161.
Em Português
TRAKL, Georg. Canção de Kaspar Hauser. Tradução de Modesto Carone. In: SUZUKI
JR., Matinas; ASCHER, Nelson (Organizadores). Folhetim: poemas traduzidos. São Paulo, SP: Folha de São Paulo,
1987. p. 27.
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