Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 8 de agosto de 2020

Heládio Brito - Escrito na Insônia

O poeta de Amparo (SP) (n. 1929) esmera-se em criar um cenário escatológico, imaginado em noite de insônia – uma desconstrução de obras criadas de início por humanos, agora em estado de estiolamento, pois nada que se possa dizer íntegro se explicita na paisagem: relógios quebrados, mapas rasgados, pedras sobrantes de muros e muito mais coisas degradadas, afinal envoltas por uma nuvem de mosquitos zumbidores.

Há em todo esses elementos visuais, sonoros e até olfativos, alfabetos extintos que compunham palavras para descrevê-los, pelos quais o falante está à procura para, em resgate, encetar um som mais puro em sua lira. E retomando a temática de postagens pregressas, para trazer mais vida a essa natureza-morta, só não inteiramente estática até então, como já se disse, pela presença de incômodos artrópodes.

J.A.R. – H.C.

Insônia
(Kazy Usclef: pintor francês)

Escrito na Insônia

Vem a noite luzir sobre o monturo
de calcários humanos e de objetos,
sobre mapas rasgados e projetos
tenta a noite acender o seu escuro.

E há relógios quebrados e há dejetos,
limalhas ásperas aparas duro
ferro e pedras sobrantes de algum muro,
e há zumbir metálico de insetos.

E há papéis carcomidos (texto obscuro
de um mundo que ruiu) e furo a furo
o lacre luminoso dos excretos.

E eis-me animal: e fuço urro procuro
articular de novo um som mais puro
com os restos de extintos alfabetos.

Insônia
(Jessica Hendrickx: pintora holandesa)

Referência:

BRITO, Heládio. Escrito na insônia. In: BRITO, Heládio; MORAIS, Regis de et al. Oficina: exercícios do ofício da poesia. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 2001. p. 16. (Edição Comemorativa Limitada)

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