O poeta de Amparo (SP) (n. 1929) esmera-se em criar um cenário escatológico,
imaginado em noite de insônia – uma desconstrução de obras criadas de início
por humanos, agora em estado de estiolamento, pois nada que se possa dizer
íntegro se explicita na paisagem: relógios quebrados, mapas rasgados, pedras
sobrantes de muros e muito mais coisas degradadas, afinal envoltas por uma
nuvem de mosquitos zumbidores.
Há em todo esses elementos visuais, sonoros e até olfativos, alfabetos extintos que compunham palavras para descrevê-los, pelos quais o
falante está à procura para, em resgate, encetar um som mais puro em sua lira.
E retomando a temática de postagens pregressas, para trazer mais vida a essa
natureza-morta, só não inteiramente estática até então, como já se disse, pela
presença de incômodos artrópodes.
J.A.R. – H.C.
Insônia
(Kazy Usclef: pintor
francês)
Escrito na Insônia
Vem a noite luzir
sobre o monturo
de calcários humanos
e de objetos,
sobre mapas rasgados
e projetos
tenta a noite acender
o seu escuro.
E há relógios
quebrados e há dejetos,
limalhas ásperas
aparas duro
ferro e pedras
sobrantes de algum muro,
e há zumbir metálico
de insetos.
E há papéis
carcomidos (texto obscuro
de um mundo que ruiu)
e furo a furo
o lacre luminoso dos
excretos.
E eis-me animal: e
fuço urro procuro
articular de novo um
som mais puro
com os restos de
extintos alfabetos.
Insônia
(Jessica Hendrickx:
pintora holandesa)
Referência:
BRITO, Heládio. Escrito na insônia. In:
BRITO, Heládio; MORAIS, Regis de et al. Oficina:
exercícios do ofício da poesia. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 2001. p. 16.
(Edição Comemorativa Limitada)
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