Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Vargas Neto - Meio-dia

Temos aqui um meio-dia abrasador lá pelas terras do sul deste torrão, descrito a rigor, com vocábulos próprios extraídos ao “gauchês” local: a cena, certamente, se passa numa granja ou fazenda de criação de gado e outros animais, onde o calor tonteia os peões, pondo-os à larga, uma vez que sequer o vento se habilita a atenuar o mormaço.

É a modorra e a prostração que se estabelecem, ainda mais depois que todos houverem se empanzinado pelo almoço: só uma sesta para amainar o quadro, à espera de que o sol dê uma pausa à sua chama, por bem-vindas intermitências suscitadas pela passagem de nuvens que o encubram. Do contrário, nada feito!

J.A.R. – H.C.

Vargas Neto
(1903-1977)

Meio-dia

Todo o ar treme sob o sol do meio-dia!
O capim se dobrou sobre si mesmo, trepidando...
A gente olhando o campo
tem a impressão que derramam sobre ele
qualquer coisa derretida!

O gado invadiu as restingas e os capões,
para fugir à graxa quente, que o sol derrama
derretida
sobre a grama.

No lombo da coxilha
só um cavalo velho bate o casco,
varado de sede,
porque teve preguiça de fugir do sol,
porque tem preguiça de descer à sanga! (1)
Debaixo dos cinamomos da fazenda
a peonada dorme, estirada de costas, com o chapéu
nos olhos.

Um guaipeca (2), deitado aos pés de um peão
erra bocadas nas moscas, estalando os dentes.
Depois cocoricoca uma galinha que botou
e tudo volta ao silêncio porque o calor tonteia.

Até o vento tem preguiça de ventar!...
Apenas se ouve, zunindo, longo, infindo,
o monótono zunzum das moscas vagabundas...

Em: “Gado Chucro” (1928)

A granja da gleba
(John Constable: pintor inglês)

Elucidário:

(1) Sanga: arroio, ribeira;

(2) Guaipeca: regionalismo gaúcho para definir um cão pequeno e sem raça definida – o mesmo que cusco.

Referência:

VARGAS NETO, Manuel do Nascimento. Meio-dia. In: BRITO, Mário da Silva (Ed.). Panorama da poesia brasileira. Volume VI: O Modernismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1959. p. 180.

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