Temos aqui um meio-dia abrasador lá
pelas terras do sul deste torrão, descrito a rigor, com vocábulos próprios
extraídos ao “gauchês” local: a cena, certamente, se passa numa granja ou
fazenda de criação de gado e outros animais, onde o calor tonteia os peões, pondo-os
à larga, uma vez que sequer o vento se habilita a atenuar o mormaço.
É a modorra e a prostração que se estabelecem,
ainda mais depois que todos houverem se empanzinado pelo almoço: só uma sesta
para amainar o quadro, à espera de que o sol dê uma pausa à sua chama, por bem-vindas
intermitências suscitadas pela passagem de nuvens que o encubram. Do contrário,
nada feito!
J.A.R. – H.C.
Vargas Neto
(1903-1977)
Meio-dia
Todo o ar treme sob o
sol do meio-dia!
O capim se dobrou sobre
si mesmo, trepidando...
A gente olhando o
campo
tem a impressão que derramam
sobre ele
qualquer coisa
derretida!
O gado invadiu as
restingas e os capões,
para fugir à graxa
quente, que o sol derrama
derretida
sobre a grama.
No lombo da coxilha
só um cavalo velho
bate o casco,
varado de sede,
porque teve preguiça
de fugir do sol,
porque tem preguiça
de descer à sanga! (1)
Debaixo dos cinamomos
da fazenda
a peonada dorme,
estirada de costas, com o chapéu
nos olhos.
Um guaipeca (2),
deitado aos pés de um peão
erra bocadas nas moscas,
estalando os dentes.
Depois cocoricoca uma
galinha que botou
e tudo volta ao
silêncio porque o calor tonteia.
Até o vento tem
preguiça de ventar!...
Apenas se ouve,
zunindo, longo, infindo,
o monótono zunzum das
moscas vagabundas...
Em: “Gado Chucro” (1928)
A granja da gleba
(John Constable:
pintor inglês)
Elucidário:
(1) Sanga: arroio, ribeira;
(2) Guaipeca: regionalismo gaúcho para
definir um cão pequeno e sem raça definida – o mesmo que cusco.
Referência:
VARGAS NETO, Manuel do Nascimento.
Meio-dia. In: BRITO, Mário da Silva (Ed.). Panorama
da poesia brasileira. Volume VI: O Modernismo. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1959. p. 180.
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