Kenyon, que não chegou aos 50, reflete sobre o atributo implacável que a
vida encerra, a impor, aos que pertencem ao domínio da natureza orgânica, a
inexorável passagem do tempo – plantas como os animais e os humanos – e mesmo sob
essa ponderosa “tempestade de gelo”, consegue ela perceber que há suficiente beleza
à nossa volta, como se Deus resolvesse nos remir dos eventuais infortúnios que
possam nos assolar.
Na derradeira estrofe do poema, Kenyon remete-nos ao antológico poema de
John Keats (1795-1821), “Ode a Uma Urna Grega”, sobre a relação íntima entre
beleza e verdade [“‘A beleza é a verdade, a verdade, a beleza’ / – É tudo o que
há para saber, e nada mais.], associação que mais tarde foi retomada por Emily
Dickinson (1830-1886), em “Morri pela Beleza” [Morri pela beleza / E eu pela
verdade / As duas são uma só]. Caso haja interesse do leitor, poderá dar uma
olhada nesta postagem que fiz em 5.6.2014, discorrendo sobre ambos os poemas.
J.A.R. – H.C.
Jane Kenyon
(1947-1995)
Ice Storm
For the hemlocks and
broad-leafed evergreens
a beautiful but
precarious state of being...
Here in the suburbs
of New Haven (1)
nature, unrestrained,
lops the weaker limbs
of shrubs and trees
with a sense of aesthetics
that is practical and
sinister...
I am a guest in this
house.
On the bedside table Good Housekeeping (2), and
A Nietzsche Reader... (3) The others are still asleep.
The most painful
longing comes over me.
A longing not of the
body...
It could be for
beauty –
I mean what Keats was
panting after,
for which I love and
honor him;
it could be for the
promises of God;
or for oblivion, nada; or some condition even more
extreme, which I
intuit, but can’t quite name.
Abraão e os Três Anjos
(Gerbrand van den
Eeckhout: pintor holandês)
Tempestade de Gelo
Para os abetos e as
coníferas de folhas largas
um belo mas precário
estado de ser...
Aqui nos subúrbios de
New Haven
a natureza, sem
restrições, corta os ramos mais fracos
de arbustos e árvores
com um sentido estético
que é prático e
sinistro...
Sou uma hóspede nesta
casa.
Sobre a mesa de
cabeceira Good Housekeeping e
A Nietzsche Reader... Os outros ainda
dormem.
O desejo mais
doloroso apodera-se de mim.
Um desejo que não é
do corpo...
Poderia ser pela
beleza –
refiro-me ao que
Keats tanto ansiava,
motivo pelo qual muito o amo e o honro;
poderia ser pelas
promessas de Deus;
ou pelo esquecimento,
nada; ou alguma condição
ainda mais extrema,
que intuo, mas não
consigo nomear.
Notas:
(1). Cidade localizada no Estado de Connecticut,
não muito distante de Nova Iorque, na costa leste dos EUA, famosa por ser a urbe natal da Universidade de Yale (1701), onde por tanto tempo
lecionou o não menos renomado crítico literário Harold Bloom (1930-2019).
(2). Revista norte-americana voltada ao
público feminino, literalmente, “Boa Faxina”.
(3). Certamente, a síntese da obra de
Nietzsche, publicada pela Penguin Books, com tradução do alemão ao inglês por R.
J. Hollingdale.
Referência:
KENYON, Jane. Ice storm. In: KEILLOR,
Garrison (Selection and Introduction). Good
poems for hard times. New York, NY: Penguin Books, 2006. p. 34.
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