Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 12 de maio de 2020

Jane Kenyon - Tempestade de Gelo

Kenyon, que não chegou aos 50, reflete sobre o atributo implacável que a vida encerra, a impor, aos que pertencem ao domínio da natureza orgânica, a inexorável passagem do tempo – plantas como os animais e os humanos – e mesmo sob essa ponderosa “tempestade de gelo”, consegue ela perceber que há suficiente beleza à nossa volta, como se Deus resolvesse nos remir dos eventuais infortúnios que possam nos assolar.

Na derradeira estrofe do poema, Kenyon remete-nos ao antológico poema de John Keats (1795-1821), “Ode a Uma Urna Grega”, sobre a relação íntima entre beleza e verdade [“‘A beleza é a verdade, a verdade, a beleza’ / – É tudo o que há para saber, e nada mais.], associação que mais tarde foi retomada por Emily Dickinson (1830-1886), em “Morri pela Beleza” [Morri pela beleza / E eu pela verdade / As duas são uma só]. Caso haja interesse do leitor, poderá dar uma olhada nesta postagem que fiz em 5.6.2014, discorrendo sobre ambos os poemas.

J.A.R. – H.C.

Jane Kenyon
(1947-1995)

Ice Storm

For the hemlocks and broad-leafed evergreens
a beautiful but precarious state of being...
Here in the suburbs of New Haven (1)
nature, unrestrained, lops the weaker limbs
of shrubs and trees with a sense of aesthetics
that is practical and sinister...

I am a guest in this house.
On the bedside table Good Housekeeping (2), and
A Nietzsche Reader... (3) The others are still asleep.
The most painful longing comes over me.
A longing not of the body...

It could be for beauty –
I mean what Keats was panting after,
for which I love and honor him;
it could be for the promises of God;
or for oblivion, nada; or some condition even more
extreme, which I intuit, but can’t quite name.

Abraão e os Três Anjos
(Gerbrand van den Eeckhout: pintor holandês)

Tempestade de Gelo

Para os abetos e as coníferas de folhas largas
um belo mas precário estado de ser...
Aqui nos subúrbios de New Haven
a natureza, sem restrições, corta os ramos mais fracos
de arbustos e árvores com um sentido estético
que é prático e sinistro...

Sou uma hóspede nesta casa.
Sobre a mesa de cabeceira Good Housekeeping e
A Nietzsche Reader... Os outros ainda dormem.
O desejo mais doloroso apodera-se de mim.
Um desejo que não é do corpo...

Poderia ser pela beleza –
refiro-me ao que Keats tanto ansiava,
motivo pelo qual muito o amo e o honro;
poderia ser pelas promessas de Deus;
ou pelo esquecimento, nada; ou alguma condição
ainda mais extrema,
que intuo, mas não consigo nomear.

Notas:

(1). Cidade localizada no Estado de Connecticut, não muito distante de Nova Iorque, na costa leste dos EUA, famosa por ser a urbe natal da Universidade de Yale (1701), onde por tanto tempo lecionou o não menos renomado crítico literário Harold Bloom (1930-2019).

(2). Revista norte-americana voltada ao público feminino, literalmente, “Boa Faxina”.

(3). Certamente, a síntese da obra de Nietzsche, publicada pela Penguin Books, com tradução do alemão ao inglês por R. J. Hollingdale.

Referência:

KENYON, Jane. Ice storm. In: KEILLOR, Garrison (Selection and Introduction). Good poems for hard times. New York, NY: Penguin Books, 2006. p. 34.

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