Lisboa, em visita ao Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas
(MG), encantou-se com a escultura do profeta Daniel, postada nas escadarias da
igreja principal e confeccionada em pedra sabão pelo Aleijadinho – epíteto pelo
qual ficou famoso Antônio Francisco Lisboa (1738-1814) –, elaborando-lhe este
belo encômio sob a forma de versos.
A poetisa nos dá conta que, ao contemplar a escultura, não se manteve em
posição única frente à imagem, senão que a contornou, para melhor apreciar-lhe
os detalhes: o leão, a seus pés – em clara alusão à narrativa bíblica do
milagre de haver saído incólume ao ser encerrado numa cova de felinos –; na mão
direita, um filactério, peça com frequência empregada pelos judeus em suas
orações matinais; e, na esquerda, um pergaminho onde inscritas as palavras do
capítulo seis de seu livro, a descreverem o precitado milagre.
J.A.R. – H.C.
Henriqueta Lisboa
(1901-1985)
Louvação de Daniel
Como és belo, ó
Daniel
dos bíblicos arcanos
aos vagares do pouso
de Congonhas do
Campo.
Sob o céu constelado,
pela chuva batido,
prisioneiro da pedra
como dantes cativo,
todavia talhado
para sobrançarias.
Príncipe em terra
estranha,
como outrora
imperaste
sobre reis, por teu
ânimo
e donaire de porte,
pela divina graça
permaneces magnífico
para as eternidades.
Mais que aos outros
profetas
o Aleijadinho
amou-te,
recompondo-te a
essência
na harmonia do todo.
Dentre os blocos de
pedra
pelo rolar dos tempos
receberás o orvalho
da estrela. Sol e
azul
te saudarão primeiro.
Pássaros da distância
com preferência clara
pousarão no teu
ombro.
Leão que outrora
domaste
(mas com que destemor
numa estreita
caverna!)
com submissa volúpia
bebe-te hoje os
olhares
aos reflexos da lua.
Pensativa cabeça
sem orgulho, que
sábia
posição escolheste
para ser e não ser!
Decifrador de enigmas
pelos desígnios do
alto,
que em ti mesmo
encontravas
as raízes da vida.
Não foi em vão,
Daniel,
que salvaste Susana,
cavalheiro perfeito
pelas dobras do
manto.
Giro em torno de ti,
Daniel, desapareço.
Prenunciando o
Messias
continuas de pedra
pelas noites e os
dias
passageiros e
eternos.
Escultura do profeta Daniel
em Congonhas (MG)
(Autoria:
Aleijadinho)
Referência:
LISBOA, Henriqueta. Louvação de Daniel.
In: MORICONI, Italo (Organização, introdução e referências bibliográficas). Os cem melhores poemas brasileiros do
século. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2001. p. 209-211.
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