Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Henriqueta Lisboa - Louvação de Daniel

Lisboa, em visita ao Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas (MG), encantou-se com a escultura do profeta Daniel, postada nas escadarias da igreja principal e confeccionada em pedra sabão pelo Aleijadinho – epíteto pelo qual ficou famoso Antônio Francisco Lisboa (1738-1814) –, elaborando-lhe este belo encômio sob a forma de versos.

A poetisa nos dá conta que, ao contemplar a escultura, não se manteve em posição única frente à imagem, senão que a contornou, para melhor apreciar-lhe os detalhes: o leão, a seus pés – em clara alusão à narrativa bíblica do milagre de haver saído incólume ao ser encerrado numa cova de felinos –; na mão direita, um filactério, peça com frequência empregada pelos judeus em suas orações matinais; e, na esquerda, um pergaminho onde inscritas as palavras do capítulo seis de seu livro, a descreverem o precitado milagre.

J.A.R. – H.C.

Henriqueta Lisboa
(1901-1985)

Louvação de Daniel

Como és belo, ó Daniel
dos bíblicos arcanos
aos vagares do pouso
de Congonhas do Campo.

Sob o céu constelado,
pela chuva batido,
prisioneiro da pedra
como dantes cativo,
todavia talhado
para sobrançarias.

Príncipe em terra estranha,
como outrora imperaste
sobre reis, por teu ânimo
e donaire de porte,
pela divina graça
permaneces magnífico
para as eternidades.

Mais que aos outros profetas
o Aleijadinho amou-te,
recompondo-te a essência
na harmonia do todo.
Dentre os blocos de pedra
pelo rolar dos tempos
receberás o orvalho
da estrela. Sol e azul
te saudarão primeiro.
Pássaros da distância
com preferência clara
pousarão no teu ombro.

Leão que outrora domaste
(mas com que destemor
numa estreita caverna!)
com submissa volúpia
bebe-te hoje os olhares
aos reflexos da lua.

Pensativa cabeça
sem orgulho, que sábia
posição escolheste
para ser e não ser!
Decifrador de enigmas
pelos desígnios do alto,
que em ti mesmo encontravas
as raízes da vida.

Não foi em vão, Daniel,
que salvaste Susana,
cavalheiro perfeito
pelas dobras do manto.

Giro em torno de ti,
Daniel, desapareço.
Prenunciando o Messias
continuas de pedra
pelas noites e os dias
passageiros e eternos.

Escultura do profeta Daniel
em Congonhas (MG)
(Autoria: Aleijadinho)

Referência:

LISBOA, Henriqueta. Louvação de Daniel. In: MORICONI, Italo (Organização, introdução e referências bibliográficas). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2001. p. 209-211.

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