Para um povo como o cubano – ao qual pertence a autora deste poema –,
sempre há uma esperança sob a forma de gratificação, gratificação essa menos sob a forma material que espiritual –, tanto mais em função das severas limitações
provocadas pelos embargos comerciais à ilha – sobretudo pelos EUA – , que já
assomam à escala de décadas.
Envolto em prazeres miúdos, o ente lírico – senão todos os cubanos, por
extensão – encontra-se à espera de um “bônus track”, enquanto as cartas ainda estão
sendo jogadas, embora se espere que, ao final, somente venham a ser preservados
os “passaportes e o mar dos belos postais”, além das “palmas da dolorida pátria”,
tudo isso sob “um sol tão brilhante quanto entediante”.
J.A.R. – H.C.
Nara Mansur Cao
(n. 1969)
Bonus Track
Hemos estado
esperando este año una gratificación,
algo que nos devuelva
algo a cambio de algo,
algo que sigue siendo
el estoicismo mejorado,
algo por cada
portazo, por cada libra de leche subterránea.
El te quiero porque
te quiero – dicen desde la casa de enfrente:
coquito con
mortadella, pan con guayaba, raspadura,
limonada, tartaletas,
pastelitos
y todas esas cosas
dulces y saladas – dicen desde la casa
de enfrente.
Hemos estado
esperando todo este tiempo
que no nos hinquen el
colmillo los vecinos de los altos
y un mejor abrazo del
padre de familia y del hermano;
he estado esperando –
yo particularmente – que el café no
haga daño,
que me empiece a
gustar el agua y la cebada,
y no comer a los
apurones la bandeja de alumínio entera.
Estos últimos regalos
nos hinchan los cachetes
y se puede mirar a lo
lejos la fiesta de los que saben bailar
y engullirnos de sus
talentos, de su alegria.
Y entonces, un día
con mucha luz, con un sol tan brillante
como aburrido,
la peor de las
noticias, la carta más negra de todas,
la que dispusiste
sobre la mesa sin jugadores:
escurridos los
deseos, inundadas las casas, te quedas solo
con todos los
pasaportes, con todas las bellas postales
de mi patria
dolorida.
Otra vez será la
bonificación por la espera
la concordia
señalada, el espíritu y no la materia, algo
algo, algo, alguien
se enamora y se olvida
y se queda otra vez
esperando.
Chá no jardim dos lilases
(Vladimir Pervuninsky:
pintor russo)
Bônus Track
Estivemos esperando
este ano uma gratificação,
algo que nos devolva
algo em troca de algo,
algo que continue a
ser o estoicismo melhorado,
algo por cada
portada, por cada libra de leite subterrâneo.
O te amo porque te
amo – dizem na casa da frente:
cocada com mortadela,
pão com goiaba, rapadura,
limonada, tortinhas,
pasteizinhos
e todas essas coisas
doces e salgadas – dizem na casa da frente.
Estivemos esperando
todo esse tempo
que os vizinhos não
nos finquem o canino
e um melhor abraço do
pai de família e do irmão;
estive esperando – eu
particularmente – que o café não me
faça mal,
que eu comece a
gostar da água e da cevada aperolada,
e não comer às
pressas a bandeja de alumínio inteira.
Estes últimos
presentes coloriram nossas bochechas
e podemos olhar de
longe a festa dos que sabem dançar
e engolir os seus
talentos, a sua alegria.
E então, um dia com
muita luz, com um sol tão brilhante
quanto entediante,
a pior notícia, a
carta mais negra de todas,
a que você dispôs
sobre a mesa sem jogadores:
os desejos escorridos,
as casas inundadas, você fica só
com todos os
passaportes e o mar dos belos postais, as palmas
da minha pátria
dolorida.
Outra vez será a
bonificação pela espera
a concórdia
sinalizada, o espírito e não a matéria, algo
algo, algo, alguém se
apaixona e se esquece
e fica outra vez
esperando.
Referência:
CAO, Nara Mansur. Bonus Track / Bônus
Track. Tradução de Tatiana Faria, Idalia Morejón Arnaiz e Omar Pérez López. In:
MENDONÇA, Vanderley (Ed.). Lira argenta:
poesia em tradução. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Selo Demônio Negro, 2017. Em
espanhol: p. 276 e 278; em português: p. 277 e 279.
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