Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Heberto Padilla - O discurso do método

Algo ao modo de George Orwell, em “1984”, o poeta cubano alerta – neste poema que se associa, pelo título, à famosa obra do francês René Descartes (1596-1650) – para as possibilidades de totalitarismos ou de manifestações antidemocráticas à volta de revoluções que se pretendem populares, como a ocorrida em seu país – ou mesmo, complemento eu, de contrarrevoluções ou de golpes militares, a exemplo dos acontecidos em diversos países da América Latina, como o Brasil, a Argentina e o Chile, nos anos 60 a 80 do século passado –, confrangendo as liberdades dos que ousaram (e ainda ousam) dissentir da classe dirigente.

Cumpre tecer, pelo momento, um rápido comentário, que talvez revele algum açodamento do autor na redação do poema: na segunda estrofe, se menciona a presença de uma “cadela”; na derradeira, contra a lógica por associação aos versos anteriormente descritos, distintamente, se consigna a palavra “cão”. Pergunta-se: nesse interregno, o animal mudou de sexo? (rs). Ou tal fato é irrelevante, frente à mensagem que se pretende repassar ao leitor?!

J.A.R. – H.C.

Heberto Padilla
(1932-2000)

El discurso del método

Si después que termina el bombardeo,
andando sobre la hierba que puede crecer lo mismo
entre las ruínas que en el sombrero de tu Obispo,
eres capaz de imaginar que no estás viendo
lo que se va a plantar irremediablemente delante de tus ojos,
o que no estás oyendo
lo que tendrás que oír durante mucho tiempo todavía;
o (lo que es peor)
piensas que será suficiente la astucia o el buen juicio
para evitar que un día, al entrar en tu casa,
sólo encuentres un sillón destruido, con un montón
de libros rotos,
yo te aconsejo que corras enseguida,
que busques un pasaporte,
alguna contraseña,
un hijo enclenque, cualquier cosa
que puedan justificarte ante una policía por el momento torpe
(porque ahora está formada
de campesinos y peones)
y que te largues de una vez y para siempre.
Huye por la escalera del jardín
(que no te vea nadie).
No cojas nada.
No servirán de nada
ni un abrigo, ni un guante, ni un apellido,
ni un lingote de oro, ni un título borroso.
No pierdas tiempo
enterrando joyas en las paredes
(las van a descubrir de cualquier modo).
No te pongas a guardar escrituras en los sótanos
(las localizarán después los milicianos).

Ten desconfianza de la mejor criada.
No le entregues las llaves al chofer, no le confíes
la perra al jardinero.
No te ilusiones con las noticias de onda corta.

Párate ante el espejo más alto de la sala, tranquilamente,
y contempla tu vida,
y contémplate ahora como eres
porque ésta será la última vez.

Ya están quitando las barricadas de los parques.
Ya los asaltadores del poder están subiendo a la tribuna.
Ya el perro, el jardinero, el chofer, la criada
están allí aplaudiendo.

En: “Fuera del Jogo” (1968)

Homem Pensante
(Ang Kiukok: pintor filipino)

O discurso do método

Se, após o término do bombardeio,
andando sobre a grama que pode crescer por igual
tanto entre as ruínas quanto sobre o chapéu do teu bispo,
és capaz de imaginar que não estás vendo
o que irremediavelmente há de se pôr diante de teus olhos,
ou que não estás ouvindo
o que terás que ouvir por muito tempo ainda;
ou (o que é pior)
pensas que a astúcia ou o bom senso serão suficientes
para evitar que um dia, ao entrar em tua casa,
somente encontres uma poltrona destruída, com uma pilha
de livros rasgados,
aconselho-te que corras de imediato,
que procures um passaporte,
alguma senha,
um filho adoentado, qualquer coisa
capaz de justificar-te frente a uma polícia torpe pelo momento
(porque agora compõem-se
de camponeses e peões)
e que vás embora de uma vez por todas.
Foge pela escada do jardim
(para que ninguém te veja)
não apanhes nada.
De nada servirão
um sobretudo, uma luva, um sobrenome,
tampouco um lingote de ouro ou um título nebuloso.
Não percas tempo
escondendo joias nas paredes
(eles as descobrirão de qualquer modo).
Não te ponhas a guardar escrituras nos sótãos
(os milicianos as encontrarão mais tarde).

Põe sob suspeita a melhor empregada.
Não entregues as chaves ao motorista, não confies
a cadela ao jardineiro.
Não te iludas com as notícias de onda curta.

Detém-te frente ao espelho mais alto da sala,
tranquilamente,
e contempla-te agora como és
porque esta será a última vez.

Eles já estão removendo as barricadas dos parques.
Em breve, os assaltadores do poder subirão à tribuna.
Em breve, o cão, o jardineiro, o motorista, a empregada
estarão lá aplaudindo.

Em: “Fora do Jogo” (1968)

Referência:

PADILLA, Heberto. El discurso del método. In: MARK, Weiss (Ed.). The whole island: six decades of cuban poetry. A bilingual anthology: Spanish x English. Berkeley, CA: University of California Press, 2009. p. 260 and 262.

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