O estado mental de uma pessoa também é capaz de definir se ela já se
encontra no estágio da velhice ou não: há anciãos que, avançados na idade,
permanecem lúcidos e produtivos, fazendo a alegria de seus familiares; há
adultos que, sem terem chegado sequer à meia idade, apresentam
nítidos sinais de que, neles, a vida já se esgotou. É nessa segunda hipótese
que a poetisa portuguesa se autodefine: não causa estranheza, por conseguinte,
que sequer tenha chegado aos quarenta.
Para quem se importa com o tema da velhice, poderia indicar uma obra
primordial: “A Velhice” (“La Vieillesse”; 1970), de Simone de Beauvoir, no
curso da qual a escritora e pensadora francesa expõe as vicissitudes
experimentadas por quem tenha chegado à senilidade, sobretudo nas sociedades
ocidentais.
O livro, a par de um preâmbulo maravilhosamente bem redigido, investiga
a situação dos velhos quer sob o ponto de vista histórico, quer sob a perspectiva do “ser-no-mundo” (há algo de heiddegeriano nessa expressão, não?!), no
caso, a elucidar, entre outros aspectos, o quotidiano no avançar da idade das
pessoas, como elas se “descobrem” velhas e se sentem, frente às inexoráveis limitações
do corpo.
Esclareço que não se trata de uma obra intrincada, difícil de apreender,
pois tem muito mais a forma de um ensaio – e que ensaio, com quase quatrocentas
páginas! – do que de um tratado filosófico, por exemplo, ao modo dos de Sartre, seu
companheiro. Se me for permitido conjecturar, diria que os textos de Beauvoir
têm algo que os torna mais fluidos, menos extenuantes e que nos dão um prazer
maior na leitura, seja quando ela se aventura na literatura, seja no ensaio ou nas obras de pensamento – distintamente dos escritos de Sartre, que, tanto numas
quanto noutras, acaba por nos revelar o seu lado mais “filósofo do
existencialismo”: “A idade da razão” ou “Sursis”, v.g., são lídima filosofia
sob a forma literária, muito embora, para nos contraditar, não sejam
experimentos lá tão difíceis de serem vencidos pelo leitor.
J.A.R. – H.C.
Florbela Espanca
(1894-1930)
Pior Velhice
Sou velha e triste.
Nunca o alvorecer
Dum riso são andou na
minha boca!
Gritando que me
acudam, em voz rouca,
Eu, Náufraga da Vida,
ando a morrer!
A Vida, que ao nascer,
enfeita e touca
D’alvas rosas a
fronte da mulher,
Na minha fronte
mística de louca
Martírios só poisou a
emurchecer!
E dizem que sou
nova... A mocidade
Estará só, então, na
nossa idade,
Ou está em nós e em
nosso peito mora?!...
Tenho a pior velhice,
a que é mais triste,
Aquela onde nem
sequer existe
Lembrança de ter sido
nova... outrora...
Em: “Livro de Mágoas” (1919)
Autorretrato com Dois Círculos
(Rembrandt: pintor
holandês)
Referência:
ESPANCA, Florbela. Pior velhice. In:
__________. Sonetos completos.
Coimbra, PT: Livraria Gonçalves, 1934. p. 27.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário