Vários poetas do período modernista da nossa literatura, em meados do
século passado, buscaram retratar o país a partir de seus primórdios, muitos
dos quais – como Oswald de Andrade e Menotti del Picchia –, “pintaram” em
palavras, num tom muitas vezes jocoso, cenas que teriam se passado quando os
portugueses aqui aportaram, no início do século XVI, sendo recebidos pelos
indígenas – como bem o descreve Caminha em sua carta ao Rei Dom Manuel I, o
Venturoso.
Este poema é bem um dos casos: para acompanhá-lo, posto ao fim uma
pintura, assaz relacionada ao contexto, de autoria do paulista Cândido Portinari
(1903-1962), neste momento fixada numa das paredes da sala onde, na sede do
Banco Central do Brasil, em Brasília (DF), costuma se reunir o Conselho
Monetário Nacional (CMN).
J.A.R. – H.C.
Menotti del Picchia
(1892-1988)
A Inauguração
A convite da História
Universal
que havia marcado a
festa para 21 de Abril,
o almirante Pedro
Álvares Cabral
veio com uma frota de
luzidas caravelas
num séquito naval de
mastros e de velas,
de estandartes e de
cruzes,
de sotainas,
alabardas, couraças e arcabuzes
inaugurar a futura
República
dos Estados Unidos do
Brasil.
A terra se enfeitara
das mais raras maravilhas:
pássaros, parasitas,
caciques e serpentes,
urros e pios, gritos
e cânticos dolentes
e o mar de azulejo
palpitava de pirogas
e de quilhas.
Pelas picadas da
floresta
foram chegando as
delegações da terra:
generais carijós com
tangas e miçangas,
coronéis botocudos
com escudos,
tocantins com
inúbias, bororós com tacapes,
comissões de
xavantes, guaicurus e guararapes.
Das curvas bruscas
dos rios
em igarapés, tangendo
borés, surgiram pajés
bêbedos de sangue
tapuia,
trazendo ao almirante
português
alvíssaras das tabas
tabajaras...
E Pedro Álvares
Cabral
para inaugurar a
pátria de Washington Luís
fincou na terra uma
cruz.
E, de noite, o
estelário queimou fogos de artifício
no céu do equador.
E os marinheiros
trouxeram de bordo as guitarras
para que dessem à luz
a primeira saudade
brasileira...
Em: “República dos Estados Unidos da
Brasil” (1928)
Desembarque dos Pioneiros
(Cândido Portinari:
pintor paulista)
Referência:
PICCHIA, Menotti del. A inauguração. In:
PONTIERO, Giovanni (Notes and Introduction). An anthology of brazilian modernist poetry. 1st. ed. Oxford, EN:
Pergamon Press, 1969. p. 40-41.
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