Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Menotti del Picchia - A Inauguração

Vários poetas do período modernista da nossa literatura, em meados do século passado, buscaram retratar o país a partir de seus primórdios, muitos dos quais – como Oswald de Andrade e Menotti del Picchia –, “pintaram” em palavras, num tom muitas vezes jocoso, cenas que teriam se passado quando os portugueses aqui aportaram, no início do século XVI, sendo recebidos pelos indígenas – como bem o descreve Caminha em sua carta ao Rei Dom Manuel I, o Venturoso.

Este poema é bem um dos casos: para acompanhá-lo, posto ao fim uma pintura, assaz relacionada ao contexto, de autoria do paulista Cândido Portinari (1903-1962), neste momento fixada numa das paredes da sala onde, na sede do Banco Central do Brasil, em Brasília (DF), costuma se reunir o Conselho Monetário Nacional (CMN).

J.A.R. – H.C.

Menotti del Picchia
(1892-1988)

A Inauguração

A convite da História Universal
que havia marcado a festa para 21 de Abril,
o almirante Pedro Álvares Cabral
veio com uma frota de luzidas caravelas
num séquito naval de mastros e de velas,
de estandartes e de cruzes,
de sotainas, alabardas, couraças e arcabuzes
inaugurar a futura República
dos Estados Unidos do Brasil.

A terra se enfeitara das mais raras maravilhas:
pássaros, parasitas, caciques e serpentes,
urros e pios, gritos e cânticos dolentes
e o mar de azulejo
palpitava de pirogas e de quilhas.

Pelas picadas da floresta
foram chegando as delegações da terra:
generais carijós com tangas e miçangas,
coronéis botocudos com escudos,
tocantins com inúbias, bororós com tacapes,
comissões de xavantes, guaicurus e guararapes.

Das curvas bruscas dos rios
em igarapés, tangendo borés, surgiram pajés
bêbedos de sangue tapuia,
trazendo ao almirante português
alvíssaras das tabas tabajaras...

E Pedro Álvares Cabral
para inaugurar a pátria de Washington Luís
fincou na terra uma cruz.

E, de noite, o estelário queimou fogos de artifício
no céu do equador.
E os marinheiros trouxeram de bordo as guitarras
para que dessem à luz
a primeira saudade brasileira...

Em: “República dos Estados Unidos da Brasil” (1928)

Desembarque dos Pioneiros
(Cândido Portinari: pintor paulista)

Referência:

PICCHIA, Menotti del. A inauguração. In: PONTIERO, Giovanni (Notes and Introduction). An anthology of brazilian modernist poetry. 1st. ed. Oxford, EN: Pergamon Press, 1969. p. 40-41.

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