O autor cearense parte de uma representação habitual da imagem que o
poeta projeta, taciturna, pesarosa, a transitar em ambientes pouco expostos à
luminosidade, embora “amando girassóis”, num corpo de louco ou de suicida, em
jornadas à beira de um precipício, vendo a própria sombra projetar-se no
vale à sua frente.
Ele é uma esfinge cujos enigmas ainda hão de ser decifrados, lá onde
subsiste em “exílios subitâneos”, absorvendo o alarma marinho, com a face e os
cabelos vulneráveis aos quatro ventos, enquanto sua alma se renova “como
holofote sobre um cemitério”, sítio primaz de lágrimas cativas e de ásperos
adeuses, de frias estátuas e de “canções navegadoras”.
J.A.R. – H.C.
Artur Eduardo Benevides
(1923-2014)
Ode ao Poeta
Guarda-me a tua voz,
esfinge.
Guarda-me o teu
pranto, o puro sonho,
o rosto alado, olhar
cheio de espanto.
Em ti estão
florestas, lágrimas cativas
rosas e clarins,
áspero adeus.
Tua tristeza flutua
sobre o mundo
e o coração é como um
cais noturno,
violoncelo amando
girassóis.
Teu olhar é profundo
como a noite
e padece de exílios
subitâneos.
Dentro de ti uma ave
sobrevoa
o céu de tua
infância, longa estrela.
Quantas vezes te
encontro alucinado
pelas praias do
tempo, procurando
tua sombra lançada
nos abismos!
Tens o corpo dos
loucos e dos suicidas.
Tua alma é uma canção,
um mar, uma virgem nua
ou um voo de pássaro
aprisionado por espelhos.
És difícil e até o
amor às vezes te abandona
e te deixa sem gesto
como as frias estátuas
sobre as quais os
ventos dançam em vão.
Teu coração fermenta
a adolescência
e retém as canções
navegadoras.
Em tua alma de apelos
tão marinhos
um luar obscuro se
renova
como holofote sobre
um cemitério.
Ai!
Na falta do que amei
ouço tua voz.
Oboé, guarda-me o teu
canto.
Em teus olhos a paz
ainda existe.
Mazin: o Poeta
(Marc Chagall: pintor
russo-francês)
Referência:
BENEVIDES, Artur Eduardo. Ode ao poeta.
In: CAMPOS, Milton de Godoy (Ed.). Antologia
poética da geração de 45. 1ª série. São Paulo, SP: Clube de Poesia, 1966. p.
133-134.
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