Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 5 de maio de 2020

Artur Eduardo Benevides - Ode ao Poeta

O autor cearense parte de uma representação habitual da imagem que o poeta projeta, taciturna, pesarosa, a transitar em ambientes pouco expostos à luminosidade, embora “amando girassóis”, num corpo de louco ou de suicida, em jornadas à beira de um precipício, vendo a própria sombra projetar-se no vale à sua frente.

Ele é uma esfinge cujos enigmas ainda hão de ser decifrados, lá onde subsiste em “exílios subitâneos”, absorvendo o alarma marinho, com a face e os cabelos vulneráveis aos quatro ventos, enquanto sua alma se renova “como holofote sobre um cemitério”, sítio primaz de lágrimas cativas e de ásperos adeuses, de frias estátuas e de “canções navegadoras”.

J.A.R. – H.C.

Artur Eduardo Benevides
(1923-2014)

Ode ao Poeta

Guarda-me a tua voz, esfinge.
Guarda-me o teu pranto, o puro sonho,
o rosto alado, olhar cheio de espanto.
Em ti estão florestas, lágrimas cativas
rosas e clarins, áspero adeus.
Tua tristeza flutua sobre o mundo
e o coração é como um cais noturno,
violoncelo amando girassóis.
Teu olhar é profundo como a noite
e padece de exílios subitâneos.
Dentro de ti uma ave sobrevoa
o céu de tua infância, longa estrela.
Quantas vezes te encontro alucinado
pelas praias do tempo, procurando
tua sombra lançada nos abismos!
Tens o corpo dos loucos e dos suicidas.
Tua alma é uma canção, um mar, uma virgem nua
ou um voo de pássaro aprisionado por espelhos.
És difícil e até o amor às vezes te abandona
e te deixa sem gesto como as frias estátuas
sobre as quais os ventos dançam em vão.
Teu coração fermenta a adolescência
e retém as canções navegadoras.
Em tua alma de apelos tão marinhos
um luar obscuro se renova
como holofote sobre um cemitério.
Ai!
Na falta do que amei ouço tua voz.
Oboé, guarda-me o teu canto.
Em teus olhos a paz ainda existe.

Mazin: o Poeta
(Marc Chagall: pintor russo-francês)

Referência:

BENEVIDES, Artur Eduardo. Ode ao poeta. In: CAMPOS, Milton de Godoy (Ed.). Antologia poética da geração de 45. 1ª série. São Paulo, SP: Clube de Poesia, 1966. p. 133-134.

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