Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 26 de maio de 2020

Jorge de Lima - Dormes

A bela adormecida contemplada pelo poeta é descrita por atributos que, sob o ponto de vista lógico, são nada factíveis de se apresentarem no plano da realidade, haja vista que antagônicos entre si – muito embora no domínio da inação, do letargo, possam eles irromper da mente inconsciente daquele (ou daquela, como no caso) que se encontra nos braços de Morfeu.

Vejam-se as parelhas: parada, mas andarilha; anjo desnudo, portanto sem sexo, virgem e, paradoxalmente, com prole. Tais imagens, como outras sugeridas pelos versos do soneto, são, em grande medida, desconcertantes para o leitor. Tudo isso só é mesmo possível num sonho com características extremadamente surrealistas. Ou será que os pintores dessa escola não seriam pródigos em trazer às telas aquilo que de mais recôndito existe na mente humana?

J.A.R. – H.C.

Jorge de Lima
(1893-1953)

Dormes

Dormes. Surgem de ti coisas pressagas.
Ó bela adormecida, não tens sexo,
como as algas marítimas que as vagas
jogam na praia em renovado amplexo.

O vendaval é o mesmo em que te apagas
num torvelinho de ímpeto convexo;
dormindo, rodopias, e te alagas
num turbilhão de diálogos sem nexo.

Sonâmbula parada, és a andarilha,
ilhada entre lençóis. Virgem tens prole,
pois és ao mesmo tempo avó, mãe, filha.

E que o sono multíparo te viole,
anjo desnudo, salamandra de asas
ressuscitada de dormidas brasas.

Em: “Livro de Sonetos” (1949)

A ninfa adormecida e cupido
(John Hoppner: pintor inglês)

Referência:

LIMA, Jorge de. Dormes. In: __________. Antologia poética. Seleção e posfácio de Fábio de Souza Andrade. São Paulo, SP: Cosac & Naify, 2014. p. 167.

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