Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Paul Claudel - Poder do Poeta

Para cada ofício a que o ser humano se dedica, sempre há um “minimum minimorum” a que recorrer, a partir do qual se torna possível levar à frente a empreitada: um cesto para o pescador, um laço para os que saem à busca de pássaros, um fio d’água para o jardineiro – e para o poeta, o que há de ser o suficientemente necessário para ele desenvolver o seu encargo?

Diz-nos Claudel que, meramente, uma folha em branco e uma pena ou, atualizadamente, uma caneta, ou ainda, um computador – afinal, já superamos também a fase das máquinas datilográficas. Mas veja lá, leitor, que, aos olhos do francês, o poeta muito se assemelha a um prestidigitador, pois de suas mãos sairiam palavras que nada mais seriam que “vestígios dos deuses”, alguns dizem das “musas”. E haja inspiração heteronômica!

J.A.R. – H.C.

Paul Claudel
(1868-1955)

Pouvoir du Poète

Le pêcheur attrape les poissons avec ce panier profondément enfoui au-dessous des vagues.
Le chasseur avec cet invisible lac entre deux branches attrape les petits oiseaux.
Et moi, dit le jardinier, pour attraper la lune et les étoiles il me suffit d’un peu d’eau – et les cerisiers en fleur et les érables en feu, il me suffit de ce ruban d’eau que je déroule.
Et moi, dit le poète, pour attraper les images et les idées il me suffit de cet appât de papier blanc, les dieux n’y passeront point sans y laisser leurs traces comme les oiseaux sur la neige.
Pour tenter les pas de l’Impératrice-de-la-Mer il me suffit de ce tapis de papier que je déroule, pour faire descendre l’Empereur-du-Ciel il me suffit de ce rayon de lune, il me suffit de cet escalier de papier blanc.

Cerejeira em Flor
(Annie Keen: pintora norte-americana)

Poder do Poeta

O pescador pega os peixes com o cesto profundamente submerso nas ondas.
O caçador com o laço escondido entre dois ramos pega as aves pequeninas.
E eu, diz o jardineiro, para a lua e as estrelas pegar, só preciso de um pouco d’água – e as cerejeiras em flor e os sicômoros em fogo, só preciso do fio d’água que desenrolo.
E eu, diz o poeta, para as ideias e as imagens pegar, só preciso do branco engodo de papel, em que os deuses, passando, deixarão vestígios, como as aves pela neve.
Para mover os passos da Imperatriz-do-Mar, só preciso do tapete de papel que desenrolo; para fazer descer o Imperador-do-Céu, só preciso de um raio da lua, só preciso da escada branca do papel.

Referência:

CLAUDEL, Paul. Pouvoir du poète / Poder do poeta. Tradução de Cláudio Veiga. In: VEIGA, Cláudio (Organização e Tradução). Antologia da poesia francesa: do século IX ao século XX. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1991. Em francês: p. 274; em português: p. 275.

Nenhum comentário:

Postar um comentário