Para cada ofício a que o ser humano se dedica, sempre há um “minimum
minimorum” a que recorrer, a partir do qual se torna possível levar à frente a empreitada: um
cesto para o pescador, um laço para os que saem à busca de pássaros, um fio d’água
para o jardineiro – e para o poeta, o que há de ser o suficientemente
necessário para ele desenvolver o seu encargo?
Diz-nos Claudel que, meramente, uma folha em branco e uma pena ou, atualizadamente,
uma caneta, ou ainda, um computador – afinal, já superamos também a fase das
máquinas datilográficas. Mas veja lá, leitor, que, aos olhos do francês, o
poeta muito se assemelha a um prestidigitador, pois de suas mãos sairiam
palavras que nada mais seriam que “vestígios dos deuses”, alguns dizem das “musas”.
E haja inspiração heteronômica!
J.A.R. – H.C.
Paul Claudel
(1868-1955)
Pouvoir du Poète
Le pêcheur attrape
les poissons avec ce panier profondément enfoui au-dessous des vagues.
Le chasseur avec cet
invisible lac entre deux branches attrape les petits oiseaux.
Et moi, dit le
jardinier, pour attraper la lune et les étoiles il me suffit d’un peu d’eau –
et les cerisiers en fleur et les érables en feu, il me suffit de ce ruban d’eau
que je déroule.
Et moi, dit le poète,
pour attraper les images et les idées il me suffit de cet appât de papier
blanc, les dieux n’y passeront point sans y laisser leurs traces comme les
oiseaux sur la neige.
Pour tenter les pas
de l’Impératrice-de-la-Mer il me suffit de ce tapis de papier que je déroule,
pour faire descendre l’Empereur-du-Ciel il me suffit de ce rayon de lune, il me
suffit de cet escalier de papier blanc.
Cerejeira em Flor
(Annie Keen: pintora
norte-americana)
Poder do Poeta
O pescador pega os
peixes com o cesto profundamente submerso nas ondas.
O caçador com o laço
escondido entre dois ramos pega as aves pequeninas.
E eu, diz o
jardineiro, para a lua e as estrelas pegar, só preciso de um pouco d’água – e
as cerejeiras em flor e os sicômoros em fogo, só preciso do fio d’água que
desenrolo.
E eu, diz o poeta,
para as ideias e as imagens pegar, só preciso do branco engodo de papel, em que
os deuses, passando, deixarão vestígios, como as aves pela neve.
Para mover os passos
da Imperatriz-do-Mar, só preciso do tapete de papel que desenrolo; para fazer
descer o Imperador-do-Céu, só preciso de um raio da lua, só preciso da escada
branca do papel.
Referência:
CLAUDEL, Paul. Pouvoir du poète / Poder
do poeta. Tradução de Cláudio Veiga. In: VEIGA, Cláudio (Organização e
Tradução). Antologia da poesia francesa:
do século IX ao século XX. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Record,
1991. Em francês: p. 274; em português: p. 275.
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