Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Verdade e Beleza em Dickinson e Keats

O tema da relação entre a Verdade e a Beleza aparece primorosamente retratado em dois poemas, com frequência mencionados em trabalhos de crítica literária, cuja autoria pertence a escritores de língua inglesa: a norte-americana Emily Dickinson e o inglês John Keats. São eles, respectivamente, “Morri pela Beleza” e “Ode a uma Urna Grega”.

O poema de Dickinson – transcrito mais abaixo em tradução própria – retrata uma hipotética conversa entre duas pessoas que foram sepultadas lado a lado num cemitério, e que, em vida, lutaram, uma, pelo primado da Beleza, e outra, pelo da Verdade.

Esta última é quem declara que Verdade e Beleza são uma e somente uma mesma ideia e, por conseguinte, são conceitos irmanados e, nisso, não há como deixar de se notar alguma conexão com o verso final do já mencionado poema de Keats: “Beleza é verdade, verdade é beleza – isto é tudo o que conheceis sobre a Terra, e é tudo o que precisais conhecer”.

O poema, a despeito de sugerir que valores humanos poderiam persistir mesmo depois do passamento dos que se dignaram em defendê-los, não oferece contrapontos ao esquecimento e à desmemória, pois, como afirma, o tempo a tudo degrada, o que possibilita ao musgo tomar por completo as lápides dos túmulos, tornando-as inidentificáveis, além de, literalmente, silenciar os lábios daqueles que, mesmo finados, ainda são capazes de fazer ressoar os seus discursos, plenos de idealismos sacrificiais.

Com isso, remanesce, em quem tem contato com tal sublime poema, a certeza da transitoriedade de tudo quanto, em vida, nos serve como estrelas-guias e que, em última instância, acaba por nos caracterizar ou identificar perante os outros.

Por outro lado, no excerto roubado à ode de Keats – com tradução de Augusto de Campos –, nota-se a fixação, com pretensões de eternidade, nos relevos de uma urna grega, de momentos que, por si mesmos, são efêmeros no fluir quotidiano de homens e donzelas.

Uma urna que perdurará no tempo entre outras coisas sem ‘anima’! Uma ode que se mantém presente nas mentes dos que sucederam a Keats, provando-lhe a eternidade do legado: a beleza e a verdade são valores a um só tempo transitórios – no âmbito de uma só geração –, e eternos – no decurso das gerações. Que a deusa da História seja capaz de se manter sob a escala do perpétuo!

J.A.R. – H.C. 
Emily Dickinson
(1830-1886)

I Died for Beauty
(Emily Dickinson)

I died for Beauty, but was scarce
Adjusted in the tomb,
When one who died for Truth was lain
In an adjoining room.

He questioned softly why I failed?
“For Beauty”, I replied.
“And I for Truth − the two are one;
We brethren are”, he said.

And so, as kinsmen met a-night,
We talked between the rooms,
Until the moss had reached our lips,
And covered up our names.


Morri pela Beleza
(Emily Dickinson)

Morri pela Beleza, porém ainda mal
Acomodada à tumba,
Quando alguém que morreu pela Verdade foi recolhido
Em um jazigo contíguo.

Ele me perguntou suavemente por que morri?
“Pela Beleza”, respondi-lhe.
“E eu pela Verdade – as duas são uma;
Somos pois irmãos”, disse-me ele.

E assim, como parentes que numa noite se encontram,
Conversamos de uma tumba à outra,
Até que o musgo alcançou os nossos lábios,
E cobriu os nossos nomes.

John Keats
(1795-1821)

Ode on a Grecian Urne (Excerpt)
(John Keats)

(V)

O Attic shape! fair attitude! with brede       
         Of marble men and maidens overwrought,
With forest branches and the trodden weed;        
         Thou, silent form, dost tease us out of thought
As doth eternity: Cold Pastoral!
         When old age shall this generation waste,   
                   Thou shalt remain, in midst of other woe
Than ours, a friend to man, to whom thou say’st,
         “Beauty is truth, truth beauty”, – that is all  
                  Ye know on earth, and all ye need to know.

 

Ode a Uma Urna Grega (Excerto)
(John Keats)

(V)

Ática forma! Altivo porte! em tua trama
         Homens de mármore e mulheres emolduradas
Com galhos de floresta e palmilhada grama:
         Tu, forma silenciosa, a mente nos torturas
Tal como a eternidade: Fria Pastoral!
         Quando a idade apagar toda a atual grandeza,
                   Tu ficarás, em meio às dores dos demais,
Amiga, a redizer o dístico imortal:
         “A beleza é a verdade, a verdade, a beleza”
                   – É tudo o que há para saber, e nada mais.

Referências:

KEATS, John. Ode on a grecian urn. In: CAMPOS, Augusto de (Seleção e Tradução). Byron e Keats: entreversos. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2009. p. 144-145.

DICKINSON, Emily. I died for beauty. In: __________. Oblicuidad de luz (95 poemas). 1. ed. Edição de Rolando Costa Picazo. València, ES: Publicaciones de la Universidad de València, p. 126.

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