Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 24 de maio de 2020

Egito Gonçalves - O Anjo do Relógio - Chartres

O Anjo do Relógio de Sol” (“L’Ange du Meridién”), um clássico soneto, é o primeiro do grupo de seis poemas de Rilke, dedicados a capturar “insights” suscitados pela Catedral de Chartres, localizada em França – por este visitada em janeiro de 1906 –, servindo como um tipo de prelúdio aos demais poemas, modulando-lhes o tom. A propósito, na imagem abaixo postada, pode-se ver o aludido anjo de pedra e o seu ostensivo sorriso.

É a esse soneto que faz alusão, de início, o poeta lusitano, bem assim às idiossincrasias que, fomentadas pelo anjo, Rilke as plasmou em seus versos. Na segunda estrofe, contudo, há uma inflexão, eis que o sorriso do anjo, na visão de Gonçalves, sucumbiu por força da tempestade que desabou sobre a Catedral, deixando órfão o poema. Ou terá sido o anjo que, com suas frágeis asas, tentara romper com a escala do tempo? – pergunta-se Gonçalves.

J.A.R. – H.C.

Egito Gonçalves
(1920-2001)

O Anjo do Relógio / Chartres

Ainda o vi, o anjo do relógio. Era como Rilke
nos dissera: nada sabia do nosso ser,
sorria no seu pétreo resplendor, apenas
segurando a mensagem da sombra
que obedecia à convenção das horas. Asas curtas
nos ombros, demasiado curtas
para o voo, para qualquer viagem...

Na segunda vez já não estava. O sorriso
estatelara-se
no solo. Rilke saberia já da tempestade
que assaltaria a forte catedral
para deixar o poema solitário?
Ou o anjo
tentara com as suas asas frágeis
quebrar o tempo, o cansaço das horas
negadas às estrelas?

Em: “E no entanto move-se” (1995)

Anjo com um relógio de sol
na fachada da Catedral de Chartres

Referência:

GONÇALVES, Egito. O anjo do relógio / Chartres. In: COSTA E SILVA, Alberto da; BUENO, Alexei (orgs.). Antologia da poesia portuguesa contemporânea: um panorama. Rio de Janeiro: Lacerda, 1999. p. 110.

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