“O Anjo do Relógio de Sol” (“L’Ange du Meridién”), um clássico soneto, é
o primeiro do grupo de seis poemas de Rilke, dedicados a capturar “insights” suscitados
pela Catedral de Chartres, localizada em França – por este visitada em janeiro de 1906
–, servindo como um tipo de prelúdio aos demais poemas, modulando-lhes o tom. A
propósito, na imagem abaixo postada, pode-se ver o aludido anjo de pedra e o
seu ostensivo sorriso.
É a esse soneto que faz alusão, de início, o poeta lusitano, bem assim
às idiossincrasias que, fomentadas pelo anjo, Rilke as plasmou em seus versos. Na
segunda estrofe, contudo, há uma inflexão, eis que o sorriso do anjo, na visão
de Gonçalves, sucumbiu por força da tempestade que desabou sobre a Catedral,
deixando órfão o poema. Ou terá sido o anjo que, com suas frágeis asas, tentara
romper com a escala do tempo? – pergunta-se Gonçalves.
J.A.R. – H.C.
Egito Gonçalves
(1920-2001)
O Anjo do Relógio / Chartres
Ainda o vi, o anjo do
relógio. Era como Rilke
nos dissera: nada
sabia do nosso ser,
sorria no seu pétreo
resplendor, apenas
segurando a mensagem
da sombra
que obedecia à
convenção das horas. Asas curtas
nos ombros, demasiado
curtas
para o voo, para
qualquer viagem...
Na segunda vez já não
estava. O sorriso
estatelara-se
no solo. Rilke
saberia já da tempestade
que assaltaria a
forte catedral
para deixar o poema
solitário?
Ou o anjo
tentara com as suas
asas frágeis
quebrar o tempo, o
cansaço das horas
negadas às estrelas?
Em: “E no entanto move-se” (1995)
Anjo com um relógio de sol
na fachada da Catedral de Chartres
Referência:
GONÇALVES, Egito. O anjo do relógio /
Chartres. In: COSTA E SILVA, Alberto da; BUENO, Alexei (orgs.). Antologia da poesia portuguesa
contemporânea: um panorama. Rio de Janeiro: Lacerda, 1999. p. 110.
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