Numa certa noite, vazada pelo vento norte, tendo Paris por cenário, o
ente lírico – não erraríamos se disséssemos que é o próprio poeta francês – observa
o céu cinzento e o luar sobre os telhados, de onde saíam negras e espessas
fumaças, provavelmente originadas por caldeiras de aquecimento ou por lareiras.
Entrementes, ao longe, ele escuta um bichano friorento e discreto a miar aguda
e estranhamente.
Mas na mente do poeta o que se passava era um sonho de Grécia Antiga, sob
o esplendor da filosofia de Platão e das esculturas estupendas de Fídias, das
batalhas de Salamina e de Maratona – em suma, o Século de Péricles esplendoroso
para os helenos –, tudo isso à luz da chama azul de um candeeiro à gás. Ao
final, o poeta reduziu a termo tal experiência, neste belo poema.
Alerta: a dedicatória a outro poeta francês, François Coppée, não se
encontra aposta, no original em referência, apenas ao infratranscrito poema,
senão à seção inteira de “Eaux-fortes” (“Águas-fortes”) – termo que, como se observa,
denota um paralelo pictórico àquilo que, de outra forma, se expressa por meio
de palavras.
J.A.R. – H.C.
Paul Verlaine
(1844-1896)
Croquis Parisien
A François Coppée
La lune plaquait ses
teintes de zinc
Par angles obtus.
Des bouts de fumée en
forme de cinq
Sortaient drus et
noirs des hauts toits pointus.
Le ciel était gris.
La bise pleurait
Ainsi qu’un basson.
Au loin, un matou
frileux et discret
Miaulait d’étrange et
grêle façon.
Moi, j’allais, rêvant
du divin Platon
Et de Phidias,
Et de Salamine et de
Marathon,
Sous l’oeil
clignotant des bleus becs de gaz.
Section “Eaux-fortes”
dans “Poèmes saturniens” (1902)
Os Campos Elíseos: Paris
(Georges Stein:
pintor francês)
Esboço Parisiense
A François Coppée
Estendia o luar suas
chapas de zinco
De ângulos obtusos,
Pontas de fumaça em
forma de cinco
Vinham do negror dos
tetos quais fusos.
O céu era cinza. E
chorava a brisa
Tal como um fagote.
Miava de frio a voz
indecisa
E trêmula e estranha,
além, de um filhote.
Eu sonhava com
Platão, ó divina,
Com Fídias, com as
Batalhas cruéis, como
em Salamina
E em Maratona, ao
lampião de gás.
Seção “Águas-fortes”
em “Poemas Saturnianos” (1902)
Referências:
Em Francês
VERLAINE, Paul. Croquis parisien.
Disponível neste endereço. Acesso em: 6 abr. 2020.
Em Português
VERLAINE, Paul. Esboço parisiense. Tradução
de Jamil Almansur Haddad. In: __________. Passeio
sentimental (poemas). Seleção, tradução, prefácio e notas de Jamil Almansur
Haddad. São Paulo, SP: Círculo do Livro, 1989. p. 43.
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