Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Herman Melville - O Icebergue (um sonho)

Melville reduz a poema aquilo que teria sido um sonho, melhor seria dizer pesadelo, pois ao final de sua leitura fica-se sabendo que um “marinheiro desajeitado, indolente e pesaroso” leva o seu “enfatuado e impetuoso barco” a colidir com um icebergue, fazendo ruir, numa avalanche, imensos cubos de gelo, esmagando o convés, afundando-o de vez para, assim, sondar “as profundezas do seu precipício”.

Completam a paisagem “gaivotas lustrosas, a dormitar em escorregadios recifes”, ou outras tantas em “solitárias nuvens”, descrevendo “círculos em torno de um distante cume coberto de neve” – para quem a força da colisão entre a embarcação e o gelo mostrou-se insuficiente para lhes causar desconforto apreciável. Afinal, em sua “respiração” subindo aos céus quando mais tépido torna-se o ar, o icebergue, em sua imponente presença, nem um pouco se verga aos propósitos humanos.

J.A.R. – H.C.

Herman Melville
(1819-1891)
Retratado por Joseph Oriel Eaton

The Berg
(a dream)

I saw a ship of martial build
(Her standards set, her brave apparel on)
Directed as by madness mere
Against a stolid iceberg steer,
Nor budge it, though the infatuate ship went down.
The impact made huge ice-cubes fall
Sullen, in tons that crashed the deck;
But that one avalanche was all –
No other movement save the foundering wreck.

Along the spurs of ridges pale,
Not any slenderest shaft and frail,
A prism over glass-green gorges lone,
Toppled; or lace of traceries fine,
Nor pendant drops in grot or mine
Were jarred, when the stunned ship went down.
Nor sole the gulls in cloud that wheeled
Circling one snow-flanked peak afar,
But nearer fowl the floes that skimmed
And crystal beaches, felt no jar.
No thrill transmitted stirred the lock
Of jack-straw needle-ice at base;
Towers undermined by waves – the block
Atilt impending – kept their place.
Seals, dozing sleek on sliddery ledges
Slipt never, when by loftier edges
Through very inertia overthrown,
The impetuous ship in bafflement went down.

Hard Berg (methought), so cold, so vast,
With mortal damps self-overcast;
Exhaling still thy dankish breath –
Adrift dissolving, bound for death;
Though lumpish thou, a lumbering one –
A lumbering lubbard loitering slow,
Impingers rue thee and go down,
Sounding thy precipice below,
Nor stir the slimy slug that sprawls
Along thy dead indifference of walls.

Os Icebergues
(Frederic E. Church: pintor norte-americano)

O Icebergue
(um sonho)

Vi um barco de porte marcial
(De flâmulas ao vento, engalanado)
Como por mera loucura dirigindo-se
Contra um impassível icebergue,
Sem o perturbar, embora o enfatuado barco se afundasse.
O impacto imensos cubos de gelo cair fez,
Soturnos, toneladas esmagando o convés;
Foi essa avalanche, apenas essa –
Nenhum outro movimento, o naufrágio apenas.

Ao longo das escarpas de pálidos cumes,
Nem um ínfimo, frágil raio de luz,
Um prisma sobre os solitários desfiladeiros de verde espelhados,
Vacilou; ou rendas de fino recorte,
Nem ínfimos pendentes em grutas ou minas
Se agitaram quando o perplexo barco se afundou.
Nem as solitárias nuvens de gaivotas, descrevendo
Círculos em torno de um distante cume coberto de neve;
Mas as aves mais próximas, as massas de gelo deslizando
E as praias de cristais, tão pouco se agitaram.
Tremor algum agitou a base
Do feixe de frágeis agulhas de gelo;
Torres escavadas pelas vagas – rochedos
Suspensos, instáveis – imóveis persistiram.
Gaivotas, dormitando lustrosas em escorregadios recifes
Não escorregaram quando, impelido em diante
Pela força da sua própria inércia,
O impetuoso barco, perplexo, se afundou.

Insensível icebergue (pensei), tão frio, tão vasto,
De mortais névoas envolto;
Exalando ainda tua respiração húmida e fria –
À deriva dissolvendo, suscitando a morte;
Embora desajeitado, pesado –
Um marinheiro desajeitado, indolente,
Pesaroso, contigo colide e afunda-se,
Sondando as profundezas do teu precipício,
Nem agita o viscoso verme que, indolente,
Percorre a funérea indiferença de tuas paredes.

Referência:

MELVILLE, Herman. The berg (a dream) / O icebergue (um sonho). Tradução de Mário Avelar. In: __________. Poemas. Selecção, tradução e introdução de Mário Avelar. Edição bilíngue. Lisboa, PT: Assírio & Alvim, 2009. Em inglês; p. 54 e 56; em português: p. 55 e 57. (“Documenta Poetica”, v. 128)

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