Melville reduz a poema aquilo que teria sido um sonho, melhor seria
dizer pesadelo, pois ao final de sua leitura fica-se sabendo que um “marinheiro
desajeitado, indolente e pesaroso” leva o seu “enfatuado e impetuoso barco” a
colidir com um icebergue, fazendo ruir, numa avalanche, imensos cubos de gelo,
esmagando o convés, afundando-o de vez para, assim, sondar “as profundezas do seu
precipício”.
Completam a paisagem “gaivotas lustrosas, a dormitar em escorregadios
recifes”, ou outras tantas em “solitárias nuvens”, descrevendo “círculos em
torno de um distante cume coberto de neve” – para quem a força da colisão entre
a embarcação e o gelo mostrou-se insuficiente para lhes causar desconforto apreciável.
Afinal, em sua “respiração” subindo aos céus quando mais tépido torna-se o ar,
o icebergue, em sua imponente presença, nem um pouco se verga aos propósitos humanos.
J.A.R. – H.C.
Herman Melville
(1819-1891)
Retratado por Joseph
Oriel Eaton
The Berg
(a dream)
I saw a ship of martial
build
(Her standards set,
her brave apparel on)
Directed as by
madness mere
Against a stolid
iceberg steer,
Nor budge it, though
the infatuate ship went down.
The impact made huge
ice-cubes fall
Sullen, in tons that
crashed the deck;
But that one
avalanche was all –
No other movement
save the foundering wreck.
Along the spurs of
ridges pale,
Not any slenderest
shaft and frail,
A prism over
glass-green gorges lone,
Toppled; or lace of
traceries fine,
Nor pendant drops in
grot or mine
Were jarred, when the
stunned ship went down.
Nor sole the gulls in
cloud that wheeled
Circling one
snow-flanked peak afar,
But nearer fowl the
floes that skimmed
And crystal beaches,
felt no jar.
No thrill transmitted
stirred the lock
Of jack-straw
needle-ice at base;
Towers undermined by
waves – the block
Atilt impending – kept
their place.
Seals, dozing sleek
on sliddery ledges
Slipt never, when by
loftier edges
Through very inertia
overthrown,
The impetuous ship in
bafflement went down.
Hard Berg
(methought), so cold, so vast,
With mortal damps
self-overcast;
Exhaling still thy
dankish breath –
Adrift dissolving,
bound for death;
Though lumpish thou,
a lumbering one –
A lumbering lubbard
loitering slow,
Impingers rue thee
and go down,
Sounding thy
precipice below,
Nor stir the slimy
slug that sprawls
Along thy dead
indifference of walls.
Os Icebergues
(Frederic E. Church:
pintor norte-americano)
O Icebergue
(um sonho)
Vi um barco de porte
marcial
(De flâmulas ao
vento, engalanado)
Como por mera loucura
dirigindo-se
Contra um impassível
icebergue,
Sem o perturbar,
embora o enfatuado barco se afundasse.
O impacto imensos
cubos de gelo cair fez,
Soturnos, toneladas
esmagando o convés;
Foi essa avalanche,
apenas essa –
Nenhum outro
movimento, o naufrágio apenas.
Ao longo das escarpas
de pálidos cumes,
Nem um ínfimo, frágil
raio de luz,
Um prisma sobre os
solitários desfiladeiros de verde espelhados,
Vacilou; ou rendas de
fino recorte,
Nem ínfimos pendentes
em grutas ou minas
Se agitaram quando o
perplexo barco se afundou.
Nem as solitárias
nuvens de gaivotas, descrevendo
Círculos em torno de
um distante cume coberto de neve;
Mas as aves mais
próximas, as massas de gelo deslizando
E as praias de
cristais, tão pouco se agitaram.
Tremor algum agitou a
base
Do feixe de frágeis
agulhas de gelo;
Torres escavadas
pelas vagas – rochedos
Suspensos, instáveis
– imóveis persistiram.
Gaivotas, dormitando
lustrosas em escorregadios recifes
Não escorregaram
quando, impelido em diante
Pela força da sua própria
inércia,
O impetuoso barco,
perplexo, se afundou.
Insensível icebergue
(pensei), tão frio, tão vasto,
De mortais névoas
envolto;
Exalando ainda tua
respiração húmida e fria –
À deriva dissolvendo,
suscitando a morte;
Embora desajeitado,
pesado –
Um marinheiro
desajeitado, indolente,
Pesaroso, contigo
colide e afunda-se,
Sondando as
profundezas do teu precipício,
Nem agita o viscoso
verme que, indolente,
Percorre a funérea
indiferença de tuas paredes.
Referência:
MELVILLE, Herman. The berg (a dream) /
O icebergue (um sonho). Tradução de Mário Avelar. In: __________. Poemas. Selecção, tradução e introdução
de Mário Avelar. Edição bilíngue. Lisboa, PT: Assírio & Alvim, 2009. Em
inglês; p. 54 e 56; em português: p. 55 e 57. (“Documenta Poetica”, v. 128)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário