Neste epigramático poema, Pasolini nos dá ciência de que, à época em que
viveu, havia mais diferenças entre os literatos – suponho que, sobretudo, no
âmbito das ideias políticas que defendiam – do que poderia imaginar a “nossa vã
filosofia”. Dadas as circunstâncias de momento em Pindorama, diria que em outra
época e lugar, persistem tais diferenças – e não só entre os literatos, como
entre os músicos e os artistas, bastando ver as distinções de comportamento,
mormente em relação ao estado de consciência da situação precária do povo
brasileiro, entre o cantor e compositor Chico Buarque e a atriz Regina Duarte!
Segundo Pasolini, tais discordâncias entre os escritores configurariam cenário
de uma autêntica “Waste Land” (“Terra Desolada”) – dessa forma a fazer
explícita associação ao célebre poema de T. S. Eliot (1888-1956), considerado por
muitos críticos como um dos melhores poemas – senão o melhor – do século XX, ao
redor do mundo.
J.A.R. – H.C.
Pier Paolo Pasolini
(1922-1975)
Ai letterati contemporanei
Vi vedo: esistete,
continuiamo a essere amici,
felici di vederci e
salutarci, in qualche caffè,
nelle case delle
ironiche signore romane…
Ma i nostri saluti, i
sorrisi, le comuni passioni,
sono atti di una
terra di nessuno: una… waste land,
per voi: un margine,
per me, tra una storia e l’altra.
Non possiamo più
realmente essere d’accordo: ne tremo,
ma è in noi che il
mondo è nemico al mondo.
De “La religione de mio tempo” (1961)
Retrato do Escritor Maxim Gorky
(Valentin Serov:
pintor russo)
Aos escritores contemporâneos
Vejo: vocês existem,
continuamos sendo amigos,
felizes de nos vermos
e cumprimentarmos em algum café,
nas casas das
irônicas senhoras romanas…
Mas nossos
cumprimentos, os sorrisos, as paixões comuns
são atos de uma terra
de ninguém: uma… waste land,
para vocês: para mim,
uma margem, entre uma história e a outra.
Já não podemos
realmente estar de acordo: estremeço,
mas é em nós que o
mundo é inimigo do mundo.
De “A religião de meu tempo” (1961)
Referência:
PASOLINI, Pier Paolo. Ai letterati
contemporanei / Aos escritores contemporâneos. Tradução de Maurício Santana
Dias. In: __________. Poemas.
Organização e introdução de Alfonso Berardinelli e Maurício Santana Dias. Tradução
e notas de Maurício Santana Dias. Posfácio de Maria Betânia Amoroso. Edição
bilíngue. São Paulo, SP: Cosac Naify, 2015. Em italiano: p. 142; em português:
p. 143.
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