A morte passou a ser tema recorrente em todo o mundo, em função da
recente pandemia de coronavírus que o assolou. Mas o óbito, a par daqueles que
decorrem de riscos para os quais se conhecem as consequências funestas da
covid-19, também se estende às situações peculiares dos que, avançados na
idade, têm a vida interrompida com naturalidade.
E perante a morte, muitos há que tremem de medo, sobretudo porque desconhecem
os fatos que transcorrem do outro lado dessa murada: veja, leitor, como o poeta
sintetiza, neste poema, o seu estado pânico com relação aos desígnios das
Parcas – ele que, de todo modo, teve um vida com duração superior à da grande
maioria dos mortais, ou seja, 90 (noventa) anos.
J.A.R. – H.C.
John Ashbery
(1927-2017)
Fear of Death
What is it now with
me
And is it as I have
become?
Is there no state
free from the boundry lines
Of before and after?
The window is open today
And the air pours in
with piano notes
In its skirts, as
though to say, “Look, John,
I’ve brought these
and these” – that is,
A few Beethovens,
some, Brahmses,
A few choice Poulenc
notes... Yes,
It is being free
again, the air, it has to keep coming back
Because that’s all
it’s good for.
I want to stay with
it out of fear
That keeps me from
walking up certain steps,
Knocking at certain
doors, fear of growing old
Alone, and of finding
no one at the evening end
Of the path except
another myself
Nodding a curt
greeting: “Well, you’ve been awhile
But now we’re back
together, which is what counts.”
Air in My path, you
could shorten this,
But the breeze has
dropped, and silence is the last word.
Ivan, o Terrível, e seu Filho
(Ilya Repin: artista
russo)
Medo da Morte
Que há comigo agora,
é assim que eu
fiquei?
Não há estado livre
dos limites
do antes e depois?
Hoje a janela está aberta
e o ar jorra para
dentro com notas de piano
nas suas saias, como
a dizer, “Olha, John,
eu trouxe isso e
aquilo” – ou seja,
alguns Beethovens,
uns Brahms,
umas notas escolhidas
de Poulenc... Sim,
está voltando a ficar
livre, o ar, tem que seguir
voltando, pois é só
para isso que serve.
Quero ficar com ele
por causa do medo
que me impede de
subir certos degraus,
bater em certas
portas, medo de envelhecer
sozinho, e de não
encontrar ninguém no fim da tarde
do caminho, salvo
outro eu mesmo
cumprimentado
bruscamente: “Você andou por aí
mas estamos juntos novamente,
que é o que conta.”
Ar em meu caminho,
você poderia encurtar isso,
mas a brisa cessou e
o silêncio é a última palavra.
Referência:
ASHBERY, John. Fear of death / Medo da
morte. Tradução de Nelson Ascher. In: ASCHER, Nelson (Tradução e Organização). Poesia alheia: 124 poemas traduzidos.
Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1998. Em inglês: p. 170; em
português: p. 171. (Coleção “Lazuli”)
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