Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 3 de maio de 2020

John Ashbery - Medo da Morte

A morte passou a ser tema recorrente em todo o mundo, em função da recente pandemia de coronavírus que o assolou. Mas o óbito, a par daqueles que decorrem de riscos para os quais se conhecem as consequências funestas da covid-19, também se estende às situações peculiares dos que, avançados na idade, têm a vida interrompida com naturalidade.

E perante a morte, muitos há que tremem de medo, sobretudo porque desconhecem os fatos que transcorrem do outro lado dessa murada: veja, leitor, como o poeta sintetiza, neste poema, o seu estado pânico com relação aos desígnios das Parcas – ele que, de todo modo, teve um vida com duração superior à da grande maioria dos mortais, ou seja, 90 (noventa) anos.

J.A.R. – H.C.

John Ashbery
(1927-2017)

Fear of Death

What is it now with me
And is it as I have become?
Is there no state free from the boundry lines
Of before and after? The window is open today

And the air pours in with piano notes
In its skirts, as though to say, “Look, John,
I’ve brought these and these” – that is,
A few Beethovens, some, Brahmses,

A few choice Poulenc notes... Yes,
It is being free again, the air, it has to keep coming back
Because that’s all it’s good for.
I want to stay with it out of fear

That keeps me from walking up certain steps,
Knocking at certain doors, fear of growing old
Alone, and of finding no one at the evening end
Of the path except another myself

Nodding a curt greeting: “Well, you’ve been awhile
But now we’re back together, which is what counts.”
Air in My path, you could shorten this,
But the breeze has dropped, and silence is the last word.

Ivan, o Terrível, e seu Filho
(Ilya Repin: artista russo)

Medo da Morte

Que há comigo agora,
é assim que eu fiquei?
Não há estado livre dos limites
do antes e depois? Hoje a janela está aberta

e o ar jorra para dentro com notas de piano
nas suas saias, como a dizer, “Olha, John,
eu trouxe isso e aquilo” – ou seja,
alguns Beethovens, uns Brahms,

umas notas escolhidas de Poulenc... Sim,
está voltando a ficar livre, o ar, tem que seguir
voltando, pois é só para isso que serve.
Quero ficar com ele por causa do medo

que me impede de subir certos degraus,
bater em certas portas, medo de envelhecer
sozinho, e de não encontrar ninguém no fim da tarde
do caminho, salvo outro eu mesmo

cumprimentado bruscamente: “Você andou por aí
mas estamos juntos novamente, que é o que conta.”
Ar em meu caminho, você poderia encurtar isso,
mas a brisa cessou e o silêncio é a última palavra.

Referência:

ASHBERY, John. Fear of death / Medo da morte. Tradução de Nelson Ascher. In: ASCHER, Nelson (Tradução e Organização). Poesia alheia: 124 poemas traduzidos. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1998. Em inglês: p. 170; em português: p. 171. (Coleção “Lazuli”)

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