O leitor desprevenido poderá se perguntar o que terá ocorrido, de tão
importante, no dia 1º de setembro de 1939, para dar título a este famoso poema
de Auden: nada mais além do que o início das hostilidades que redundaram na 2GM,
com a invasão da Polônia pelas forças militares da Alemanha nazista.
Veja, internauta, que Auden se refere a Hitler como “um deus psicopata”,
que assim se tornou ao propagar prodigiosamente o mal, porque pelo mal teria
sido ferido quando criança. E o amor que um espírito, nesses termos, pode
manifestar não se estende à humanidade como um todo, mas se restringe a um
plano individual, provavelmente narcísico.
Daí porque o autor inglês avoca a relação tumultuosa entre o empresário artístico
russo Serguei Diaghilev (1872-1929) e o famoso bailarino Vaslav Nijinsky
(1889-1950) – este, por sinal, com célebres performances nos balés – note-se a
propriedade dos títulos! – “O Deus Azul” e “Narciso”, ambos em apresentações em
Paris, França, em 1912.
J.A.R. – H.C.
W. H. Auden
(1907-1973)
September 1, 1939
I sit in one of the
dives
On Fifty-second
Street
Uncertain and afraid
As the clever hopes
expire
Of a low dishonest
decade:
Waves of anger and
fear
Circulate over the
bright
And darkened lands of
the earth,
Obsessing our private
lives;
The unmentionable
odour of death
Offends the September
night.
Accurate scholarship
can
Unearth the whole
offence
From Luther until now
That has driven a
culture mad,
Find what occurred at
Linz,
What huge imago made
A psychopathic god:
I and the public know
What all
schoolchildren learn,
Those to whom evil is
done
Do evil in return.
Exiled Thucydides
knew
All that a speech can
say
About Democracy,
And what dictators
do,
The elderly rubbish
they talk
To an apathetic
grave;
Analysed all in his
book,
The enlightenment
driven away,
The habit-forming
pain,
Mismanagement and
grief:
We must suffer them
all again.
Into this neutral air
Where blind
skyscrapers use
Their full height to
proclaim
The strength of
Collective Man,
Each language pours
its vain
Competitive excuse:
But who can live for
long
In an euphoric dream;
Out of the mirror
they stare,
Imperialism’s face
And the international
wrong.
Faces along the bar
Cling to their
average day:
The lights must never
go out,
The music must always
play,
All the conventions
conspire
To make this fort
assume
The furniture of
home;
Lest we should see
where we are,
Lost in a haunted
wood,
Children afraid of
the night
Who have never been
happy or good.
The windiest militant
trash
Important Persons
shout
Is not so crude as
our wish:
What mad Nijinsky
wrote
About Diaghilev
Is true of the normal
heart;
For the error bred in
the bone
Of each woman and
each man
Craves what it cannot
have,
Not universal love
But to be loved
alone.
From the conservative
dark
Into the ethical life
The dense commuters
come,
Repeating their
morning vow;
“I will be true to
the wife,
I’ll concentrate more
on my work,”
And helpless
governors wake
To resume their
compulsory game:
Who can release them
now,
Who can reach the
deaf,
Who can speak for the
dumb?
All I have is a voice
To undo the folded
lie,
The romantic lie in
the brain
Of the sensual
man-in-the-street
And the lie of
Authority
Whose buildings grope
the sky:
There is no such
thing as the State
And no one exists
alone;
Hunger allows no
choice
To the citizen or the
police;
We must love one
another or die.
Defenceless under the
night
Our world in stupor
lies;
Yet, dotted
everywhere,
Ironic points of
light
Flash out wherever
the Just
Exchange their
messages:
May I, composed like
them
Of Eros and of dust,
Beleaguered by the
same
Negation and despair,
Show an affirming flame.
(September 1939)
A Dança dos Aldeões
(Peter Paul Rubens:
pintor flamengo)
1º de Setembro de 1939
Hoje me sento num bar
Da rua 52
Apavorado e sem rumo
Vendo a esperança
expirar
Desses dez anos
gatunos:
Ondas de ódio e de
pavor
Circulam por claras áreas
– E obscurecidas – da
Terra
Obsedando nossas
vidas;
Esta noite de
setembro,
O odor da morte
fere-a.
Pode a erudição
acurada
Desenterrar todo o
agravo
De Lutero aos dias
que correm
Que enlouqueceu uma
cultura,
Descobrir o que houve
em Linz,
Que tão fantástica
imagem
Criou um deus
psicopata:
Eu e os fregueses
sabemos
O que toda criança
sabe,
Aquele que sofre o
mal
O praticará mais
tarde.
Sabia, no exílio,
Tucídides
Tudo o que pode um
discurso
Dizer de Democracia,
E o que os ditadores
fazem,
Velhas bobagens que
falam
Para uma cova
impassível:
Tudo descrito em seu
livro
E por sua vez já
esquecido,
Voltamos neste
momento
Aos costumeiros maus
líderes
E ao habitual
sofrimento.
No ar neutro em que
anunciam a
Força do Homem
Coletivo,
Usando toda a sua altura,
Os cegos
arranha-céus,
Em vão cada língua
atira
Pretexto competitivo:
Mas quem vive muito
tempo
A ilusão de um sonho
eufórico?
De dentro do espelho
observam
A face do
imperialismo
E o ecumênico
tormento.
Rostos no balcão do
bar
Se agarram ao dia mediano:
A luz não deve apagar
Nem deve parar o
piano.
Conspiram as
convenções
Para que esse forte
assuma
Os mais domésticos
tons
E não se veja onde
estamos:
Perdidos numa
floresta
– Crianças com medo
da noite,
Longe do bem e da
festa.
Todo o lixo militante
Que cospem os
figurões
Não é cru quão nosso
desejo:
Escreveu o louco
Nijinski
Sobre Diaghilev o que
Vale para qualquer
um;
Pois o erro nascido
no osso
De cada homem e
mulher
Quer o que não pode
ter,
Não o amor universal
Mas sim o individual.
Da noite conservadora
Rumo ao ético viver
Apinham-se os
passageiros
Com seus votos
matutinos:
“Fidelidade á mulher,
Concentração no
trabalho”.
Governantes
impotentes
Retomam seu
compulsório
Jogo: quem os
livrará,
A quem o surdo ouvirá
Ou falará pelo mudo?
Tudo que tenho é uma
voz
Para desfazer o véu
De romântica mentira
Do sensual homem da
rua
E aquela da
Autoridade
Cujo prédio atinge o
céu:
O Estado é uma
irrealidade
E ninguém existe só;
A fome não deixa
opção
A polícia ou ao
cidadão;
Sem amor, viver quem
há de?
Na noite,
desprotegido
E em estupor vive o
mundo;
No entanto irônicas
luzes
Aqui e ali mostram
seu brilho,
Onde quer que troquem
os
Justos as suas
mensagens:
Possa eu, como eles
composto
De Eros e pó e
assediado
Por negação e
desespero,
Ser também iluminado.
(Setembro de 1939)
Referência:
AUDEN, W. H. September 1, 1939 / 1º de
setembro de 1939. Tradução de João Moura Jr. In: __________. Poemas. Seleção de João Moura Jr.
Tradução e Introdução de José Paulo Paes e João Moura Jr. Edição bilíngue. 1ª
reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. Em inglês: p. 86, 88 e 90;
em português: p. 87, 89 e 91.
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Você não tem noção do quanto esse post me ajudou hoje.
ResponderExcluirPrezado(a),
ExcluirÓtimo saber que postagens como esta possam ser de relevante utilidade para as pessoas.
Grato pelo comentário.
João A. Rodrigues