Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 9 de maio de 2020

W. H. Auden - 1º de Setembro de 1939

O leitor desprevenido poderá se perguntar o que terá ocorrido, de tão importante, no dia 1º de setembro de 1939, para dar título a este famoso poema de Auden: nada mais além do que o início das hostilidades que redundaram na 2GM, com a invasão da Polônia pelas forças militares da Alemanha nazista.

Veja, internauta, que Auden se refere a Hitler como “um deus psicopata”, que assim se tornou ao propagar prodigiosamente o mal, porque pelo mal teria sido ferido quando criança. E o amor que um espírito, nesses termos, pode manifestar não se estende à humanidade como um todo, mas se restringe a um plano individual, provavelmente narcísico.

Daí porque o autor inglês avoca a relação tumultuosa entre o empresário artístico russo Serguei Diaghilev (1872-1929) e o famoso bailarino Vaslav Nijinsky (1889-1950) – este, por sinal, com célebres performances nos balés – note-se a propriedade dos títulos! – “O Deus Azul” e “Narciso”, ambos em apresentações em Paris, França, em 1912.

J.A.R. – H.C.

W. H. Auden
(1907-1973)

September 1, 1939

I sit in one of the dives
On Fifty-second Street
Uncertain and afraid
As the clever hopes expire
Of a low dishonest decade:
Waves of anger and fear
Circulate over the bright
And darkened lands of the earth,
Obsessing our private lives;
The unmentionable odour of death
Offends the September night.

Accurate scholarship can
Unearth the whole offence
From Luther until now
That has driven a culture mad,
Find what occurred at Linz,
What huge imago made
A psychopathic god:
I and the public know
What all schoolchildren learn,
Those to whom evil is done
Do evil in return.

Exiled Thucydides knew
All that a speech can say
About Democracy,
And what dictators do,
The elderly rubbish they talk
To an apathetic grave;
Analysed all in his book,
The enlightenment driven away,
The habit-forming pain,
Mismanagement and grief:
We must suffer them all again.

Into this neutral air
Where blind skyscrapers use
Their full height to proclaim
The strength of Collective Man,
Each language pours its vain
Competitive excuse:
But who can live for long
In an euphoric dream;
Out of the mirror they stare,
Imperialism’s face
And the international wrong.

Faces along the bar
Cling to their average day:
The lights must never go out,
The music must always play,
All the conventions conspire
To make this fort assume
The furniture of home;
Lest we should see where we are,
Lost in a haunted wood,
Children afraid of the night
Who have never been happy or good.

The windiest militant trash
Important Persons shout
Is not so crude as our wish:
What mad Nijinsky wrote
About Diaghilev
Is true of the normal heart;
For the error bred in the bone
Of each woman and each man
Craves what it cannot have,
Not universal love
But to be loved alone.

From the conservative dark
Into the ethical life
The dense commuters come,
Repeating their morning vow;
“I will be true to the wife,
I’ll concentrate more on my work,”
And helpless governors wake
To resume their compulsory game:
Who can release them now,
Who can reach the deaf,
Who can speak for the dumb?

All I have is a voice
To undo the folded lie,
The romantic lie in the brain
Of the sensual man-in-the-street
And the lie of Authority
Whose buildings grope the sky:
There is no such thing as the State
And no one exists alone;
Hunger allows no choice
To the citizen or the police;
We must love one another or die.

Defenceless under the night
Our world in stupor lies;
Yet, dotted everywhere,
Ironic points of light
Flash out wherever the Just
Exchange their messages:
May I, composed like them
Of Eros and of dust,
Beleaguered by the same
Negation and despair,
Show an affirming flame.

(September 1939)

A Dança dos Aldeões
(Peter Paul Rubens: pintor flamengo)

1º de Setembro de 1939

Hoje me sento num bar
Da rua 52
Apavorado e sem rumo
Vendo a esperança expirar
Desses dez anos gatunos:
Ondas de ódio e de pavor
Circulam por claras áreas
– E obscurecidas – da Terra
Obsedando nossas vidas;
Esta noite de setembro,
O odor da morte fere-a.

Pode a erudição acurada
Desenterrar todo o agravo
De Lutero aos dias que correm
Que enlouqueceu uma cultura,
Descobrir o que houve em Linz,
Que tão fantástica imagem
Criou um deus psicopata:
Eu e os fregueses sabemos
O que toda criança sabe,
Aquele que sofre o mal
O praticará mais tarde.

Sabia, no exílio, Tucídides
Tudo o que pode um discurso
Dizer de Democracia,
E o que os ditadores fazem,
Velhas bobagens que falam
Para uma cova impassível:
Tudo descrito em seu livro
E por sua vez já esquecido,
Voltamos neste momento
Aos costumeiros maus líderes
E ao habitual sofrimento.

No ar neutro em que anunciam a
Força do Homem Coletivo,
Usando toda a sua altura,
Os cegos arranha-céus,
Em vão cada língua atira
Pretexto competitivo:
Mas quem vive muito tempo
A ilusão de um sonho eufórico?
De dentro do espelho observam
A face do imperialismo
E o ecumênico tormento.

Rostos no balcão do bar
Se agarram ao dia mediano:
A luz não deve apagar
Nem deve parar o piano.
Conspiram as convenções
Para que esse forte assuma
Os mais domésticos tons
E não se veja onde estamos:
Perdidos numa floresta
– Crianças com medo da noite,
Longe do bem e da festa.

Todo o lixo militante
Que cospem os figurões
Não é cru quão nosso desejo:
Escreveu o louco Nijinski
Sobre Diaghilev o que
Vale para qualquer um;
Pois o erro nascido no osso
De cada homem e mulher
Quer o que não pode ter,
Não o amor universal
Mas sim o individual.

Da noite conservadora
Rumo ao ético viver
Apinham-se os passageiros
Com seus votos matutinos:
“Fidelidade á mulher,
Concentração no trabalho”.
Governantes impotentes
Retomam seu compulsório
Jogo: quem os livrará,
A quem o surdo ouvirá
Ou falará pelo mudo?

Tudo que tenho é uma voz
Para desfazer o véu
De romântica mentira
Do sensual homem da rua
E aquela da Autoridade
Cujo prédio atinge o céu:
O Estado é uma irrealidade
E ninguém existe só;
A fome não deixa opção
A polícia ou ao cidadão;
Sem amor, viver quem há de?

Na noite, desprotegido
E em estupor vive o mundo;
No entanto irônicas luzes
Aqui e ali mostram seu brilho,
Onde quer que troquem os
Justos as suas mensagens:
Possa eu, como eles composto
De Eros e pó e assediado
Por negação e desespero,
Ser também iluminado.

(Setembro de 1939)

Referência:

AUDEN, W. H. September 1, 1939 / 1º de setembro de 1939. Tradução de João Moura Jr. In: __________. Poemas. Seleção de João Moura Jr. Tradução e Introdução de José Paulo Paes e João Moura Jr. Edição bilíngue. 1ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. Em inglês: p. 86, 88 e 90; em português: p. 87, 89 e 91.

2 comentários:

  1. Você não tem noção do quanto esse post me ajudou hoje.

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    1. Prezado(a),
      Ótimo saber que postagens como esta possam ser de relevante utilidade para as pessoas.
      Grato pelo comentário.
      João A. Rodrigues

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