Desvelando, de início, a falácia que há nos
argumentos para a guerra – um “hábito que leva ao assassínio –, sempre visto
como um “mal necessário”, até que os seus motivos, contudo, sejam alterados por
imprevisíveis circunstâncias, volta-se a poetisa, então, a apontar para outra
situação de desfaçatez na sociedade, qual seja, a de uma mulher circunscrita a
um papel específico, a de artista, “presa a uma harpa”.
O “homem flutuante”, que aparentemente percebe
as coisas com objetividade, lamenta o fato de que o que se supõe ser um
abnegado e mútuo amor tenha-se degenerado em necessidade de autogratificação.
Mais à frente, vê-se a imagem de uma mulher invocando sua contraparte masculina
para infligir-lhe dor, obtendo daí um aparente prazer masoquista.
Mas, ao fim, o que a poetisa parece sublinhar
com mais propósito, são as imposições ético-religiosas que ditam à mulher certo
padrão que lhe maltrata a autoestima, subjugando-a ao homem, como se lhe
pertencesse como um objeto, quando por seu próprio espírito ansia por igualdade
e não dependência.
J.A.R. – H.C.
Muriel Rukeyser
(1913-1980)
IV - Black Blood
A habit leading to
murder, smoky laughter
hated at first, but
necessary later.
Alteration of motives.
To stamp in terror
around the deserted
harbor, down the hill
until the woman laced
into a harp
screams and screams and
the great clock strikes,
swinging its giant
figures past the face.
The Floating Man rides
on the ragged sunset
asking and asking. Do not
say, Which loved?
Which was beloved? Only,
Who most enjoyed?
Armored ghost of rage,
screaming and powerless,
Only find me and touch
my blood again.
Find me. A girl runs
down the street
singing Take me, yelling
Take me Take
Hang me from the clapper
of a bell
and you as hangman ring
it sweet tonight,
for nothing clean in me
is more than cloud
unless you call it. As I
ran I heard
a black voice beating
among all that blood:
“Try to live as if there
were a God.”
Sinos da Missão
(Dwight Williams: pintor
norte-americano)
IV - Sangue Negro
Um hábito conducente ao
assassínio, a risada fumarenta
odiada a princípio,
porém necessária mais tarde.
Alteração de motivos.
Para chancelar o terror
à volta do porto
deserto, desça a colina
até que a mulher atada a
uma harpa
ponha-se a gritar e
gritar e o grande relógio bata,
acionando suas figuras
gigantes além da portada.
O Homem Flutuante
cavalga ao pôr-do-sol
indagando e indagando.
Jamais diga, Qual amou?
Qual foi amado? Apenas,
Quem mais desfrutou?
Um fantasma blindado de
raiva, impotente e a berrar,
descobre-me todavia e
toca-me o sangue novamente.
Descobre-me. Uma garota
corre pela rua
cantando Leve-me
clamando Leve-me Leve
Pendure-me no badalo de
um sino
para você como algoz
tocá-lo suavemente esta noite,
porque nada em mim é
mais terso que uma nuvem
a menos que você a
convoque. Enquanto corria, ouvi
uma voz negra que
percutia em meio àquele sangue todo:
“Trate de viver como se
houvesse um Deus.”
Referência:
RUKEYSER, Muriel. IV - Black blood. In:
WILLIAMS, Oscar (Ed.). A little treasury of american poetry: the
chief poets from colonial times to the present Day. New YorK, NY: Charles
Scribner’s Sons, 1948. p. 806.
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