Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Muriel Rukeyser: IV - Sangue Negro

Desvelando, de início, a falácia que há nos argumentos para a guerra – um “hábito que leva ao assassínio –, sempre visto como um “mal necessário”, até que os seus motivos, contudo, sejam alterados por imprevisíveis circunstâncias, volta-se a poetisa, então, a apontar para outra situação de desfaçatez na sociedade, qual seja, a de uma mulher circunscrita a um papel específico, a de artista, “presa a uma harpa”.

 

O “homem flutuante”, que aparentemente percebe as coisas com objetividade, lamenta o fato de que o que se supõe ser um abnegado e mútuo amor tenha-se degenerado em necessidade de autogratificação. Mais à frente, vê-se a imagem de uma mulher invocando sua contraparte masculina para infligir-lhe dor, obtendo daí um aparente prazer masoquista.

 

Mas, ao fim, o que a poetisa parece sublinhar com mais propósito, são as imposições ético-religiosas que ditam à mulher certo padrão que lhe maltrata a autoestima, subjugando-a ao homem, como se lhe pertencesse como um objeto, quando por seu próprio espírito ansia por igualdade e não dependência.

J.A.R. – H.C.

 

Muriel Rukeyser

(1913-1980)

 

IV - Black Blood

 

A habit leading to murder, smoky laughter

hated at first, but necessary later.

Alteration of motives. To stamp in terror

around the deserted harbor, down the hill

until the woman laced into a harp

screams and screams and the great clock strikes,

swinging its giant figures past the face.

The Floating Man rides on the ragged sunset

asking and asking. Do not say, Which loved?

Which was beloved? Only, Who most enjoyed?

Armored ghost of rage, screaming and powerless,

Only find me and touch my blood again.

Find me. A girl runs down the street

singing Take me, yelling Take me Take

Hang me from the clapper of a bell

and you as hangman ring it sweet tonight,

for nothing clean in me is more than cloud

unless you call it. As I ran I heard

a black voice beating among all that blood:

“Try to live as if there were a God.”

 

Sinos da Missão

(Dwight Williams: pintor norte-americano)

 

IV - Sangue Negro

 

Um hábito conducente ao assassínio, a risada fumarenta

odiada a princípio, porém necessária mais tarde.

Alteração de motivos. Para chancelar o terror

à volta do porto deserto, desça a colina

até que a mulher atada a uma harpa

ponha-se a gritar e gritar e o grande relógio bata,

acionando suas figuras gigantes além da portada.

O Homem Flutuante cavalga ao pôr-do-sol

indagando e indagando. Jamais diga, Qual amou?

Qual foi amado? Apenas, Quem mais desfrutou?

Um fantasma blindado de raiva, impotente e a berrar,

descobre-me todavia e toca-me o sangue novamente.

Descobre-me. Uma garota corre pela rua

cantando Leve-me clamando Leve-me Leve

Pendure-me no badalo de um sino

para você como algoz tocá-lo suavemente esta noite,

porque nada em mim é mais terso que uma nuvem

a menos que você a convoque. Enquanto corria, ouvi

uma voz negra que percutia em meio àquele sangue todo:

“Trate de viver como se houvesse um Deus.”

 

Referência:

 

RUKEYSER, Muriel. IV - Black blood. In: WILLIAMS, Oscar (Ed.). A little treasury of american poetry: the chief poets from colonial times to the present Day. New YorK, NY: Charles Scribner’s Sons, 1948. p. 806.

Nenhum comentário:

Postar um comentário