As reminiscências da
infância: quem não as tem?! Em associação com canções, então, quanta força para
marcar indelevelmente a memória! E foi assim que o poeta deixou-se enredar pela
música tocada e cantada por sua mãe, no anoitecer dos dias de domingo invernais,
junto ao piano negro que a todos servia como companheiro.
É a imagem descrita sob o instrumento
musical, todavia, que me trouxe à lembrança cenas de alguns dos muitos filmes a
que assisti, a exemplo dos movimentos iniciais de “Fanny & Alexander”
(1982), de Ingmar Bergman – nos quais o garoto põe-se a vaguear embaixo da mesa
sobre a qual sua mãe organizava a decoração para a ceia de Natal da numerosa
família –, ou ainda dos episódios inicial e final da película “Oblómov” (1980),
de Nikita Mikhalkov, baseado na obra homônima de Ivan Goncharov, em que o
garoto enche-se de alegria com a presença da mãe, que retornara já não sei bem
exato de onde. Imagens nada complexas, decerto, mas que marcam pela pureza e
sensibilidade!
J.A.R. – H.C.
D. H. Lawrence
(1885-1930)
Softly, in the dusk, a woman is singing
to me;
Taking me back down the vista of years,
till I see
A child sitting under the piano, in the
boom of the tingling strings
And pressing the small, poised feet of
a mother who smiles as she sings.
In spite of myself, the insidious
mastery of song
Betrays me back, till the heart of me
weeps to belong
To the old Sunday evenings at home,
with winter outside
And hymns in the cosy parlour, the
tinkling piano our guide.
So now it is vain for the singer to
burst into clamour
With the great black piano
appassionato. The glamour
Of childish days is upon me, my manhood
is cast
Down
in the flood of remembrance, I weep like a child for the past.
Mulher ao Piano
(Giovanni
Boldini: pintor italiano)
Piano
Suavemente, no crepúsculo, uma mulher
canta para mim;
Levando-me de volta pela paisagem dos
anos, até eu ver
Uma criança sentada sob o piano, em
meio ao ressonar de cordas troantes,
Pressionando os aprestados pezinhos de
uma mãe que sorri enquanto canta.
Sem que houvesse desejado, a insidiosa
mestria da canção
Fez-me regressar traiçoeiramente, até
que meu coração rogasse pelo retorno
Aos antigos arrebóis dos domingos em
casa, com o inverno a grassar lá fora,
Hinos na aconchegante sala de estar, e
o tinido do piano como nosso guia.
Por isso, agora, é em vão que a cantora
irrompe em clamor
Com o grande e appassionato
piano negro. Segue em mim
O fascínio dos dias de infância, minha
masculinidade por assim refreada
Esvai-se
no dilúvio da memória, e choro como um infante pelo passado.
Referência:
LAWRENCE, D. H. Piano. In: BENSON,
Gerard; CHERNAIK, Judith; HERBERT, Cicely (Eds.). Best poems on the
underground. 1st. publ. London, EN: Weidenfeld & Nicolson, 2009. p.
161.
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