Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 21 de outubro de 2018

D. H. Lawrence - Piano

As reminiscências da infância: quem não as tem?! Em associação com canções, então, quanta força para marcar indelevelmente a memória! E foi assim que o poeta deixou-se enredar pela música tocada e cantada por sua mãe, no anoitecer dos dias de domingo invernais, junto ao piano negro que a todos servia como companheiro.

É a imagem descrita sob o instrumento musical, todavia, que me trouxe à lembrança cenas de alguns dos muitos filmes a que assisti, a exemplo dos movimentos iniciais de “Fanny & Alexander” (1982), de Ingmar Bergman – nos quais o garoto põe-se a vaguear embaixo da mesa sobre a qual sua mãe organizava a decoração para a ceia de Natal da numerosa família –, ou ainda dos episódios inicial e final da película “Oblómov” (1980), de Nikita Mikhalkov, baseado na obra homônima de Ivan Goncharov, em que o garoto enche-se de alegria com a presença da mãe, que retornara já não sei bem exato de onde. Imagens nada complexas, decerto, mas que marcam pela pureza e sensibilidade!

J.A.R. – H.C.

D. H. Lawrence
(1885-1930)

Softly, in the dusk, a woman is singing to me;
Taking me back down the vista of years, till I see
A child sitting under the piano, in the boom of the tingling strings
And pressing the small, poised feet of a mother who smiles as she sings.

In spite of myself, the insidious mastery of song
Betrays me back, till the heart of me weeps to belong
To the old Sunday evenings at home, with winter outside
And hymns in the cosy parlour, the tinkling piano our guide.

So now it is vain for the singer to burst into clamour
With the great black piano appassionato. The glamour
Of childish days is upon me, my manhood is cast
Down in the flood of remembrance, I weep like a child for the past.

Mulher ao Piano
(Giovanni Boldini: pintor italiano)

Piano

Suavemente, no crepúsculo, uma mulher canta para mim;
Levando-me de volta pela paisagem dos anos, até eu ver
Uma criança sentada sob o piano, em meio ao ressonar de cordas troantes,
Pressionando os aprestados pezinhos de uma mãe que sorri enquanto canta.

Sem que houvesse desejado, a insidiosa mestria da canção
Fez-me regressar traiçoeiramente, até que meu coração rogasse pelo retorno
Aos antigos arrebóis dos domingos em casa, com o inverno a grassar lá fora,
Hinos na aconchegante sala de estar, e o tinido do piano como nosso guia.

Por isso, agora, é em vão que a cantora irrompe em clamor
Com o grande e appassionato piano negro. Segue em mim
O fascínio dos dias de infância, minha masculinidade por assim refreada
Esvai-se no dilúvio da memória, e choro como um infante pelo passado.

Referência:

LAWRENCE, D. H. Piano. In: BENSON, Gerard; CHERNAIK, Judith; HERBERT, Cicely (Eds.). Best poems on the underground. 1st. publ. London, EN: Weidenfeld & Nicolson, 2009. p. 161.

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