Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 20 de outubro de 2018

Eugenio Montale - Os Mortos

Num tom de reminiscência dantesca – afinal, as imagens fazem lembrar as descrições de Alighieri do inferno, com nuvens, espumas, éter, vapores ou que tais –, Montale revela neste poema todo o seu antagonismo entre as perspectivas transcendente e contingente que lhe vão na alma.

Quem não gostaria de saber o que sucede com os mortos no outro plano de existência – se é que, de fato, este existe?! As visões de Dante não procuram teorizar sobre a dúvida, senão falar ao espírito do modo mais ocular possível, o que, em última instância, torna menos árduo o trabalho de pintores e gravuristas como Doré. Por igual, as palavras de Montale estão plasmadas por impressões cênicas, mantendo-se em linha, todavia, com os efeitos menos beatíficos da obra de seu conterrâneo.

J.A.R. – H.C.

Eugenio Montale
(1896-1981)

I Morti

 

Il mare che si frange sull’opposta

riva vi leva un nembo che spumeggia

finché la piana lo riassorbe. Quivi

gettammo un dì su la ferrigna costa,

ansante più del pelago la nostra

speranza! – e il gorgo sterile verdeggia

come ai dì che ci videro fra i vivi.

 

Or che aquilone spiana il groppo torbido

delle salse correnti e le rivolge

d’onde trassero, attorno alcuno appende

ai rami cedui reti dilunganti

sul viale che discende

oltre lo sguardo;

reti stinte che asciuga il tocco tardo

e freddo della luce; e sopra queste

denso il cristallo dell’azzurro palpebra

e precipita a un arco d’orizzonte

flagellato.

Più d’alga che trascini

il ribollio che a noi si scopre, muove

tale sosta la nostra vita: turbina

quanto in noi rassegnato a’ suoi confini

risté un giorno; tra i fili che congiungono

un ramo all’altro si dibatte il cuore

come la gallinella

di mare che s’insacca tra le maglie;

e immobili e vaganti ci ritiene

una fissità gelida.

Così

forse anche ai morti è tolto ogni riposo

nelle zolle: una forza indi li tragge

spietata più del vivere, ed attorno,

larve rimorse dai ricordi umani,

li volge fino a queste spiagge, fiati

senza materia o voce

traditi dalla tenebra; ed i mozzi

loro voli ci sfiorano pur ora

da noi divisi appena e nel cervello

del mare si sommergono…

Tempestade no Mar da Galileia
(Rembrandt: pintor holandês)

Os Mortos

 

O amor que contra a margem arrebenta

levanta um nimbo ao alto que espumeja

até que o plaino o ressorve. Aí um dia

arremessamos na ferrenha costa,

a nossa mais anelante que o pélago

esperança! – e estéril o abismo verdeja

como em tempo que nos viu entre os vivos.

 

Agora que o aquilão aplaina o túrbido

nó das salsas correntes e as devolve

lá de onde afluíram, em torno pendem

aos ramos talhados redes esticadas

na rua que desce

para além da vista;

redes sem cor que enxuga o arrefecido

toque tardio da luz; e no alto

denso o cristal pestaneja

e desaba num arco de horizonte

flagelado.

Mais do que alga que arraste

o rebojo a nós manifesto, mova

nossa vida essa pausa: turbilhona

quanto em nós resignado a seus confins

parou um dia; entre os fios que juntam

os ramos se debate o coração

assim como um galo

do mar agonizante entre as malhas;

e imóveis a divagar nos retém

uma fixidez gélida.

Assim talvez

mesmo aos mortos se lhes tire o descanso

nas leivas: uma força daí os traz

mais ímpia que o viver, e de envolta,

larvas aflitas da memória humana,

os torna em ronda a essas praias, sopros

sem matéria ou voz

traídos pelas trevas; e esbaforidos

seus voos nos esfloram ainda agora,

de nós mal separados e no crivo

do mar submergem...

Referência:

MONTALE, Eugenio. I morti / Os mortos. Tradução de Renato Xavier. In: __________. Ossos de sépia. Tradução, prefácio e notas de Renato Xavier. São Paulo, SP: Companhia das Letras, jan. 2002. Em italiano: p. 186; em português: p. 187. (Coleção “Prêmio Nobel”)

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