Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 16 de outubro de 2018

António Ramos Rosa - Arte Poética

Para Rosa, o poema tem que tocar todas as fibras do espírito, porque se não lograr tanger o ânimo de quem o lê, de nada serve senão para ser lançado fora, assim como na parábola de Cristo. Afinal, não seria a poesia uma espécie de sal que dá sentido à vida, que nos torna a todos, seus leitores, uns fanáticos que a cada manhã unimo-nos sob suas linhas de força, para sorver-lhe o vinho?!

Assim assim, o poema há de ser o continente onde todas as dualidades se reconciliam; o tao imanente a cada coisa que habita o universo; o mar de silêncio e a palavra que desponta na proa do escaler que o rompe; o intercepto para onde confluem os reinos da realidade, da possibilidade e da necessidade, nos arrabaldes do binômio espaço x tempo.

J.A.R. – H.C.

António Ramos Rosa
(1924-2013)

Arte Poética

Se o poema não serve para dar o nome às coisas
outro nome e ao seu silêncio outro silêncio,
se não serve para abrir o dia
em duas metades como dois dias resplandecentes
e para dizer o que cada um quer e precisa
ou o que a si mesmo nunca disse.

Se o poema não serve para que o amigo ou a amiga
entrem nele como numa ampla esplanada
e se sentem a conversar longamente com um copo de
vinho na mão
sobre as raízes do tempo ou o sabor da coragem
ou como tarda a chegar o tempo frio.

Se o poema não serve para tirar o sono a um canalha
ou a ajudar a dormir o inocente
se é inútil para o desejo e o assombro,
para a memória e para o esquecimento.

Se o poema não serve para tornar quem o lê
num fanático
que o poeta então se cale.

Em: “Sílex” (1980)

Natureza-morta com vinho,
pão, manteiga e queijo
(Jan Hendrik Eversen: pintor holandês)

Referência:

ROSA, António Ramos. Arte poética. In: __________. O poeta na rua. Selecção e prefácio de Ana Paula Coutinho Mendes. 2. ed. Vila Nova de Famalicão, PT: Quasi Edições, julho 2005. p. 53. (Biblioteca “Finita Melancolia”)

Nenhum comentário:

Postar um comentário