Para Rosa, o poema tem que tocar todas as fibras do espírito, porque se
não lograr tanger o ânimo de quem o lê, de nada serve senão para ser lançado
fora, assim como na parábola de Cristo. Afinal, não seria a poesia uma espécie
de sal que dá sentido à vida, que nos torna a todos, seus leitores, uns
fanáticos que a cada manhã unimo-nos sob suas linhas de força, para sorver-lhe
o vinho?!
Assim assim, o poema há de ser o continente onde todas as dualidades se
reconciliam; o tao imanente a cada coisa que habita o universo; o mar de
silêncio e a palavra que desponta na proa do escaler que o rompe; o intercepto para
onde confluem os reinos da realidade, da possibilidade e da necessidade, nos
arrabaldes do binômio espaço x tempo.
J.A.R. – H.C.
António Ramos Rosa
(1924-2013)
Arte Poética
Se o poema não serve
para dar o nome às coisas
outro nome e ao seu
silêncio outro silêncio,
se não serve para
abrir o dia
em duas metades como
dois dias resplandecentes
e para dizer o que
cada um quer e precisa
ou o que a si mesmo
nunca disse.
Se o poema não serve
para que o amigo ou a amiga
entrem nele como numa
ampla esplanada
e se sentem a
conversar longamente com um copo de
vinho na mão
sobre as raízes do
tempo ou o sabor da coragem
ou como tarda a
chegar o tempo frio.
Se o poema não serve
para tirar o sono a um canalha
ou a ajudar a dormir
o inocente
se é inútil para o
desejo e o assombro,
para a memória e para
o esquecimento.
Se o poema não serve
para tornar quem o lê
num fanático
que o poeta então se
cale.
Em: “Sílex” (1980)
Natureza-morta com vinho,
pão, manteiga e queijo
(Jan Hendrik Eversen:
pintor holandês)
Referência:
ROSA, António Ramos. Arte poética. In:
__________. O poeta na rua. Selecção
e prefácio de Ana Paula Coutinho Mendes. 2. ed. Vila Nova de Famalicão, PT:
Quasi Edições, julho 2005. p. 53. (Biblioteca “Finita Melancolia”)
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