De um livro de poemas anterior a suas
grandes obras – como “Sagarana” (1946) ou “Grande Sertão: Veredas” (1956) –,
nomeadamente “Magma”, de 1936, este poema já permitia antever a capacidade
criativa de Rosa, tratando o tema da separação como uma “tortura predestinada”,
razão de se ter rido internamente de toda a cena, ainda que já com os olhos a
lagrimar.
É o efeito a contrário senso daquela
composição dos anos 90, interpretada pela cantora Tetê Espíndola, de autoria do
esposo Arnaldo Black e de Carlos Rennó, a afirmar que ela e o amado juntaram-se
por um amor que “estava escrito nas estrelas”, um “caso do acaso bem marcado em
cartas de tarô”.
Diferenças entre as hipóteses?: a
separação predestinada de Rosa pertence à noite dos tempos, quando a
inexperiência dos Deuses ainda não havia criado o mundo. Então o que terá
ocorrido? Quando se tornaram experientes, os Deuses criaram o mundo e deixaram,
sem querer, a predestinação correndo solta? Ou os Deuses, mesmo na
inexperiência, criaram o mundo e, de forma deliberada, deixaram a “tortura
predestinada” virar um atropelo nos pensamentos e sentimentos dos amantes,
permitindo-nos concluir, se verdadeira tal hipótese, que os Deuses seriam
sádicos?! Mas percebamos no que deu: o escritor-poeta se ri disso tudo. Seria
ele algo masoquista?! (rs)
J.A.R. – H.C.
João Guimarães Rosa
(1908-1967)
Gargalhada
Quando me disseste que não mais me
amavas,
e que ias partir,
dura, precisa, bela e inabalável,
com a impassibilidade de um executor,
dilatou-se em mim o pavor das cavernas
vazias...
Mas olhei-te bem nos olhos.
belos como o veludo das lagartas
verdes,
e porque já houvesse lágrimas nos meus
olhos,
tive pena de ti, de mim, de todos,
e me ri
da inutilidade das torturas
predestinadas,
guardadas para nós, desde a treva das
épocas,
quando a inexperiência dos Deuses
ainda
não criara o mundo...
A Separação
(Edvard
Munch: pintor norueguês)
Referência:
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