A história fratricida de Caim e Abel, lavrada nas páginas bíblicas do Gênesis, contada pela perspectiva deste último: tal é o enredo deste poema, concebido por Capetanakis, poeta de origem grega, radicado em Londres, onde veio a falecer, depois de ali permanecer por pouco mais de meia década.
Abel não culpa a natureza malévola do irmão pelo ocorrido, senão a ambiguidade das coisas, dando margem a que nossas vidas apresentem significação nas imediações da morte, bem assim o amor muito perto esteja do ódio. Conclui o poeta: “Sou o meu irmão a abrir o portão”, pelo que infiro tratar-se do portão que dá acesso ao outro lado da existência.
J.A.R. – H.C.Abel
My brother Cain, the wounded, liked to sit
Brushing my shoulder, by the staring water
Of life, or death, in cinemas half-lit
By scenes of peace that always turned to slaughter.
He liked to talk to me. His eager voice
Whispered the puzzle of his bleeding thirst,
Or prayed me not to make my final choice
Unless we had a chat about it first.
And then he chose the final pain for me.
I do not blame his nature: he’s my brother;
Nor what you call the times: our love was free,
Would be the same at any time; but rather
The ageless ambiguity of things,
Which makes our life mean death, our love be hate.
My blood that streams across the bedroom sings
“I am my brother opening the gate.”
Abel
Meu irmão Caim, o repulso, costumava sentar-se
Roçando-me o ombro, olhando fixamente a água
Da vida ou da morte, em cines meio iluminados
Por cenas de paz que logo viravam massacre.
Ele gostava de falar comigo. Sua ansiosa voz
Sussurrava o enigma de sua sede sangrenta,
Ou implorava-me que não fizesse a opção final
Antes que primeiro conversássemos a respeito.
E logo escolheu o desfecho doloroso para mim.
Não culpo a natureza dele, pois éramos irmãos;
Nem as contingências: livre era o nosso amor,
Seria o mesmo em qualquer situação. Mas, antes,
A eterna ambiguidade das coisas, que dá causa
A que nossa vida denote morte, e o amor, ódio.
Meu sangue que se espalha pelo quarto canta:
“Eu sou o meu irmão que escancara o portão!”
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