Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 27 de outubro de 2018

Demetrius Capetanakis - Abel

A história fratricida de Caim e Abel, lavrada nas páginas bíblicas do Gênesis, contada pela perspectiva deste último: tal é o enredo deste poema, concebido por Capetanakis, poeta de origem grega, radicado em Londres, onde veio a falecer, depois de ali permanecer por pouco mais de meia década.

Abel não culpa a natureza malévola do irmão pelo ocorrido, senão a ambiguidade das coisas, dando margem a que nossas vidas apresentem significação nas imediações da morte, bem assim o amor muito perto esteja do ódio. Conclui o poeta: “Sou o meu irmão a abrir o portão”, pelo que infiro tratar-se do portão que dá acesso ao outro lado da existência.

J.A.R. – H.C.

Demetrius Capetanakis
(1912-1944)

Abel

 

My brother Cain, the wounded, liked to sit

Brushing my shoulder, by the staring water

Of life, or death, in cinemas half-lit

By scenes of peace that always turned to slaughter.

 

He liked to talk to me. His eager voice

Whispered the puzzle of his bleeding thirst,

Or prayed me not to make my final choice

Unless we had a chat about it first.

 

And then he chose the final pain for me.

I do not blame his nature: he’s my brother;

Nor what you call the times: our love was free,

Would be the same at any time; but rather

 

The ageless ambiguity of things,

Which makes our life mean death, our love be hate.

My blood that streams across the bedroom sings

“I am my brother opening the gate.”


Caim e Abel
(Orazio Riminaldi: pintor italiano)

Abel

 

Meu irmão Caim, o repulso, costumava sentar-se

Roçando-me o ombro, olhando fixamente a água

Da vida ou da morte, em cines meio iluminados

Por cenas de paz que logo viravam massacre.

 

Ele gostava de falar comigo. Sua ansiosa voz

Sussurrava o enigma de sua sede sangrenta,

Ou implorava-me que não fizesse a opção final

Antes que primeiro conversássemos a respeito.

 

E logo escolheu o desfecho doloroso para mim.

Não culpo a natureza dele, pois éramos irmãos;

Nem as contingências: livre era o nosso amor,

Seria o mesmo em qualquer situação. Mas, antes,

 

A eterna ambiguidade das coisas, que dá causa

A que nossa vida denote morte, e o amor, ódio.

Meu sangue que se espalha pelo quarto canta:

“Eu sou o meu irmão que escancara o portão!”


Referência:

CAPETANAKIS, Demetrius. Abel. In: RODMAN, Selden (Ed.). An new anthology of modern poetry. New York, NY: Random House Inc., 1946. p. 418. (“The Modern Library”)

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