Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Li-Young Lee - Travesseiro

As noites e movimentos do poeta processam-se sempre com o degolar de qualquer sentido de apego. E olhe que o autor já conhece de antemão tudo o que se passa naquele jardim embaixo do travesseiro, num ambiente no qual as estrelas brilham e os pais despontam como seres de amor e de comando.

O poema está repleto de flores em terra fértil, naquele espaço oculto, de pássaros, sementes, relógios e transcurso do tempo, levando-nos a associações com o passado, embora nos impulsione para frente, sob os coxins, onde podemos presenciar o canto inaudível de nossas próprias vidas.

J.A.R. – H.C.

Li-Young Lee
(n. 1957)

Pillow

There’s nothing I can’t find under there.
Voices in the trees, the missing pages
of the sea.

Everything but sleep.

And night is a river bridging
the speaking and the listening banks,

a fortress, undefended and inviolate.

There’s nothing that won’t fit under it:
fountains clogged with mud and leaves,
the houses of my childhood.

And night begins when my mother’s fingers
let go of the thread
they’ve been tying and untying
to touch toward our fraying story’s hem.

Night is the shadow of my father’s hands
setting the clock for resurrection.

Or is it the clock unraveled, the numbers flown?

There’s nothing that hasn’t found home there:
discarded wings, lost shoes, a broken alphabet.

Everything but sleep. And night begins

with the first beheading
of the jasmine, its captive fragrance
rid at last of burial clothes.

O Sonho (O Leito)
(Frida Kahlo: pintora mexicana)

Travesseiro

Não há nada que não possa encontrar lá embaixo.
Vozes nas árvores, as páginas desaparecidas
do mar.

Tudo exceto o sono.

E a noite é um rio a unir
os bancos da fala e da escuta,

uma fortaleza, indefesa e inviolável.

Não há nada que ali não se encaixe:
fontes obstruídas com lama e folhas,
as casas de minha infância.

E a noite começa quando os dedos de minha mãe
soltam o fio
que eles atam e desatam
para tocar a borda de nossa desgastada história.

A noite é a sombra das mãos de meu pai
ajustando o relógio para a ressurreição.

Ou está o relógio desenredado, os números esvoaçados?

Nada há que não tenha encontrado lá em casa:
asas descartadas, sapatos perdidos, um alfabeto em frangalhos.

Tudo exceto o sono. E a noite se inicia

com o primeiro jasmim
decepado, quando, enfim, sua fragrância cativa
libera-se das roupas mortuárias.

Referência:

LEE, Li-Young. Pillow. In: McCLATCHY, J. D. (Ed.). The vintage book of contemporary american poetry. 2nd ed. New York, NY: Vintage Books (A Division of Random House Inc.), march 2003. p. 583-584.

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