As noites e movimentos do poeta processam-se sempre com o degolar de
qualquer sentido de apego. E olhe que o autor já conhece de antemão tudo o que
se passa naquele jardim embaixo do travesseiro, num ambiente no qual as
estrelas brilham e os pais despontam como seres de amor e de comando.
O poema está repleto de flores em terra fértil, naquele espaço oculto,
de pássaros, sementes, relógios e transcurso do tempo, levando-nos a
associações com o passado, embora nos impulsione para frente, sob os coxins,
onde podemos presenciar o canto inaudível de nossas próprias vidas.
J.A.R. – H.C.
Li-Young Lee
(n. 1957)
Pillow
There’s nothing I
can’t find under there.
Voices in the trees,
the missing pages
of the sea.
Everything but sleep.
And night is a river
bridging
the speaking and the
listening banks,
a fortress,
undefended and inviolate.
There’s nothing that
won’t fit under it:
fountains clogged
with mud and leaves,
the houses of my
childhood.
And night begins when
my mother’s fingers
let go of the thread
they’ve been tying
and untying
to touch toward our
fraying story’s hem.
Night is the shadow
of my father’s hands
setting the clock for
resurrection.
Or is it the clock
unraveled, the numbers flown?
There’s nothing that
hasn’t found home there:
discarded wings, lost
shoes, a broken alphabet.
Everything but sleep.
And night begins
with the first
beheading
of the jasmine, its
captive fragrance
rid at last of burial
clothes.
O Sonho (O Leito)
(Frida Kahlo: pintora
mexicana)
Travesseiro
Não há nada que não
possa encontrar lá embaixo.
Vozes nas árvores, as
páginas desaparecidas
do mar.
Tudo exceto o sono.
E a noite é um rio a
unir
os bancos da fala e da
escuta,
uma fortaleza,
indefesa e inviolável.
Não há nada que ali
não se encaixe:
fontes obstruídas com
lama e folhas,
as casas de minha
infância.
E a noite começa
quando os dedos de minha mãe
soltam o fio
que eles atam e
desatam
para tocar a borda de
nossa desgastada história.
A noite é a sombra
das mãos de meu pai
ajustando o relógio
para a ressurreição.
Ou está o relógio
desenredado, os números esvoaçados?
Nada há que não tenha
encontrado lá em casa:
asas descartadas,
sapatos perdidos, um alfabeto em frangalhos.
Tudo exceto o sono. E
a noite se inicia
com o primeiro jasmim
decepado, quando,
enfim, sua fragrância cativa
libera-se das roupas
mortuárias.
Referência:
LEE, Li-Young. Pillow. In: McCLATCHY,
J. D. (Ed.). The vintage book of
contemporary american poetry. 2nd ed. New York, NY: Vintage Books (A Division of Random House Inc.), march 2003. p. 583-584.
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