Vai aqui um conselho ao leitor, quando se
dispuser a ler o poema de Vitrac: não o faça com a mente percutindo aquela
máxima, cheia de trocadilhos. a envolver o nome de Picasso com a figura do
mestre de obras! Sim: porque bastam as conexões carregadas de humor que o poeta
francês formula, num crescendo, até chegar ao nome do autor de “Guernica”.
Bem ao estilo surrealista, o texto de Vitrac não
se propõe exame sério sobre tópico de maior peso, haja vista que se expressa
num domínio no qual ninguém há de exigir-lhe coerência ou sentido lógico, sendo
patente a intenção de retorcer ou recriar os vocábulos ao final de cada quadra,
para imputar-lhes outros valores ou acepções.
J.A.R. – H.C.
Roger Vitrac
(1899-1952)
Humorage à Picasso
Et vive le pinceau
De l’ami Picasso!
(Apollinaire)
Cet arbre fait comme un
tombeau,
Cet astre comme un
numéro,
Ce soleil comme un
escargot,
C’est Picagot.
Ce journal ni joli, ni
beau,
Cette sciure de gâteau,
Ce double sein comme un
étau,
C’est Picétau.
Ces cheveux poussant
dans un pot,
Cet œil pareil aux culs
d’oiseaux,
Ce marétal
porte-marcheau,
C’est Picacheau.
Ce mou, ce dur, ce
matériau,
Moulé, pompé comme la
chaux,
Colorié à coups de
plumeau,
C’est Picaplo.
Ce dos, ce pal, ce
paletot,
Ce récit mis comme un
fardeau
Sur la tartine de Toto,
C’est Picato.
Ce sol tout nu, ce ciel
sans os,
Cette baigneuse comme un
gigot,
Et ce cheval comme un
sabot,
C’est Pisabot.
Socrate au torse de
fourneau,
Divisant le diamant des
eaux
Pour l’épingler dans un
tableau,
C’est Pitableau.
L’allumette épinglant le
faux,
La faulx imitant le
râteau,
Pour peindre un rire à
l’Otéro,
C’est Picaro.
Enfin,
Napoléon changeant de
peau,
La peau changeant de
poils labiaux,
Et les poils changeant
de pinceau,
C’est Picasso!
Autorretrato aos 15 anos
(Pablo Picasso: pintor
espanhol)
Humoragem a Picasso
E viva o pincel
Do amigo Picasso!
(Apollinaire)
O arbusto parece um
finado
O astro parece
duplicado,
Este sol, encaracolado,
É o Picado.
O jornal, nem lindo, nem
manso,
O bolo tem jeito de
ranço,
O seio parece de ganso,
É o Picanço.
Os pelos nascendo num
caco,
Os olhos iguais a um
buraco,
O marechal porta-casaco,
É o Picaco.
O mole, o duro, este
badalo,
Moldado dentro do
gargalo,
Pintado com plumas de
galo,
É o Picalo.
Este dorso, o pau, o
petardo,
O conto posto como um
fardo
Na torradinha do
Bernardo,
É o Picardo.
Este chão nu, o céu sem
galho,
A banhista como um
chocalho,
O cavalo como um
cascalho,
É o Picalho.
Sócrates com busto de
gato
Cortando diamante barato
Para espetá-lo num
retrato,
É o Picato.
O fósforo perto da
aragem,
A foice que imita a
ferragem
Pra pintar um riso
selvagem,
É o Picagem.
Enfim,
Napoleão mudando de
espaço,
O espaço mudando de
passo
E o passo mudando de
traço,
E o Picasso.
Referência:
VITRAC, Roger. Humorage à Picasso / Humoragem a
Picasso. Tradução de Cláudio Veiga. In: VEIGA, Cláudio (Organização e
Tradução). Antologia da poesia francesa: do século IX ao
século XX. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1991. Em francês: p.
366 e 268; em português: p. 367 e 369.
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