Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Roger Vitrac - Humoragem a Picasso

Vai aqui um conselho ao leitor, quando se dispuser a ler o poema de Vitrac: não o faça com a mente percutindo aquela máxima, cheia de trocadilhos. a envolver o nome de Picasso com a figura do mestre de obras! Sim: porque bastam as conexões carregadas de humor que o poeta francês formula, num crescendo, até chegar ao nome do autor de “Guernica”.

 

Bem ao estilo surrealista, o texto de Vitrac não se propõe exame sério sobre tópico de maior peso, haja vista que se expressa num domínio no qual ninguém há de exigir-lhe coerência ou sentido lógico, sendo patente a intenção de retorcer ou recriar os vocábulos ao final de cada quadra, para imputar-lhes outros valores ou acepções.

 

J.A.R. – H.C.

 

Roger Vitrac

(1899-1952)

 

Humorage à Picasso

 

Et vive le pinceau

De l’ami Picasso!

(Apollinaire)

 

Cet arbre fait comme un tombeau,

Cet astre comme un numéro,

Ce soleil comme un escargot,

C’est Picagot.

 

Ce journal ni joli, ni beau,

Cette sciure de gâteau,

Ce double sein comme un étau,

C’est Picétau.

 

Ces cheveux poussant dans un pot,

Cet œil pareil aux culs d’oiseaux,

Ce marétal porte-marcheau,

C’est Picacheau.

 

Ce mou, ce dur, ce matériau,

Moulé, pompé comme la chaux,

Colorié à coups de plumeau,

C’est Picaplo.

 

Ce dos, ce pal, ce paletot,

Ce récit mis comme un fardeau

Sur la tartine de Toto,

C’est Picato.

 

Ce sol tout nu, ce ciel sans os,

Cette baigneuse comme un gigot,

Et ce cheval comme un sabot,

C’est Pisabot.

 

Socrate au torse de fourneau,

Divisant le diamant des eaux

Pour l’épingler dans un tableau,

C’est Pitableau.

 

L’allumette épinglant le faux,

La faulx imitant le râteau,

Pour peindre un rire à l’Otéro,

C’est Picaro.

 

Enfin,

Napoléon changeant de peau,

La peau changeant de poils labiaux,

Et les poils changeant de pinceau,

C’est Picasso!

 

Autorretrato aos 15 anos

(Pablo Picasso: pintor espanhol)

 

Humoragem a Picasso

 

E viva o pincel

Do amigo Picasso!

(Apollinaire)

 

O arbusto parece um finado

O astro parece duplicado,

Este sol, encaracolado,

É o Picado.

 

O jornal, nem lindo, nem manso,

O bolo tem jeito de ranço,

O seio parece de ganso,

É o Picanço.

 

Os pelos nascendo num caco,

Os olhos iguais a um buraco,

O marechal porta-casaco,

É o Picaco.

 

O mole, o duro, este badalo,

Moldado dentro do gargalo,

Pintado com plumas de galo,

É o Picalo.

 

Este dorso, o pau, o petardo,

O conto posto como um fardo

Na torradinha do Bernardo,

É o Picardo.

 

Este chão nu, o céu sem galho,

A banhista como um chocalho,

O cavalo como um cascalho,

É o Picalho.

 

Sócrates com busto de gato

Cortando diamante barato

Para espetá-lo num retrato,

É o Picato.

 

O fósforo perto da aragem,

A foice que imita a ferragem

Pra pintar um riso selvagem,

É o Picagem.

 

Enfim,

Napoleão mudando de espaço,

O espaço mudando de passo

E o passo mudando de traço,

E o Picasso.

 

Referência:

 

VITRAC, Roger. Humorage à Picasso / Humoragem a Picasso. Tradução de Cláudio Veiga. In: VEIGA, Cláudio (Organização e Tradução). Antologia da poesia francesa: do século IX ao século XX. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1991. Em francês: p. 366 e 268; em português: p. 367 e 369.

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