O poeta explora o ciclo de vida que se passa num meio burocrático
institucionalizado, repetitivo e infeliz, revelando-o sob o manto fino da
poeira que a tudo recobre, num escritório com potencial para levar o ente
lírico às raias da claustrofobia, haja vista o limitado espaço para expressar a
sua individualidade.
O sofrimento ou a angústia maior é essa iteração à exaustão de gestos
mecanizados, acarretando um tédio arrasador que põe a manifestar-se sobre
coisas inesperadas, a saber, os rostos das pessoas com quem se entra em contato
– os quais passam também a se repetir, cinzentos, vulgares.
J.A.R. – H.C.
Dolor
I have known the inexorable sadness of
pencils,
Neat in their boxes, dolor of pad and
paper-weight,
All the misery of manilla folders and
mucilage,
Desolation in immaculate public places,
Lonely reception room, lavatory,
switchboard,
The unalterable pathos of basin and
pitcher,
Ritual of multigraph, paper-clip,
comma,
Endless duplication of lives and
objects.
And I have seen dust from the walls of
institutions,
Finer than flour, alive, more dangerous
than silica,
Sift, almost invisible, through long
afternoons of tedium,
Dropping a fine film on nails and
delicate eyebrows,
Glazing the pale hair, the duplicate
grey standard faces.
Natureza-morta com livros,
espelhos e lentes III (Noite)
(Ephraim Rubenstein:
pintor norte-americano)
Dolor
Conheci a tristeza inexorável dos
lápis,
Arrumados em suas caixas, a dor do
bloco de notas e do
peso de papel,
Toda a miséria das pastas de manilha e
da goma-arábica,
A desolação nos imaculados lugares
públicos,
A sala de recepção pouco frequentada, o
lavabo, a central
telefônica,
O páthos inalterável da bacia e do
jarro,
O ritual do multígrafo, o clipe para papéis,
a vírgula,
A duplicação interminável de vidas e de
objetos.
Vi também a poeira nas paredes das
instituições,
Mais fina que farinha, mais penetrante
e perigosa que sílica,
Peneirada, quase invisível, através de
longas tardes de tédio,
Recobrindo com uma fina película as
unhas e sobrancelhas
delicadas,
Reluzindo os cabelos claros, os rostos vulgares, cinzentos,
duplicados.
Referência:
ROETHKE,
Theodore. Dolor. In: __________. Collected
poems. London (EN); Boston (MA): Faber and Faber, 1985. p. 44.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário