A poetisa arranjou um jeito fácil de parar a
leitura da ciclópica obra do irlandês James Joyce: bastou que um inseto
pousasse no livro aberto, arrastado pelo vento que soprou sobre as areias da
praia. E olha que parou a uma distância considerável do fim do romance: se o
tomo vai à ordem das mil páginas, Dora, como afirma, mal passou de duzentas.
Num dos versos do poema, afirma-se que o mar
sequer conseguia aplacar os nossos “dédalos” e, é claro, aqui há – além do
efeito denotativo do verbete, a significar “confusões” ou “complicações”,
resultantes provavelmente da concepção labiríntica da narrativa, capaz de
dificultar o pleno entendimento dos objetivos colimados pelo autor – uma alusão
ao alterego literário do próprio Joyce, Stephen Dedalus, cujo sobrenome foi
tomado à figura mitológica grega.
J.A.R. – H.C.
Dora Ferreira da Silva
(1918-2006)
Ulisses e o Inseto
Quando li o Ulisses de
Joyce
o verão era pungente
e as questões.
Nem a rede embalava
nem o mar aplacava
nossos dédalos.
O vento soprou as areias
e então
um inseto pousou no
livro
aberto ao meio:
olhitos facetados
fitaram-me e foi quando
a leitura findou
na página duzentos e
tanto...
Em: “Jardins
(esconderijos)” (1979)
A Leitora
(Frank W. Benson: pintor
norte-americano)
Referência:
FERREIRA DA SILVA, Dora. Ulisses e o inseto. In:
__________. Poesia reunida. Rio de Janeiro, RJ: Topbooks, 1999. p.
151.
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