Este fragmento dos “Exercícios Preparatórios”,
de Paz, apresenta sua visão pessoal sobre o tema da morte, tema, aliás, que
perpassa todos os poemas da referida seção. Parte ele do passamento de Dom
Quixote, logo, não exatamente em luta contra os malfeitores, com o seu fiel
companheiro Sancho Pança, senão em seu próprio leito de óbito.
A menção, no meio do poema, à reconciliação com
os “três tempos” (o presente, o passado e o futuro) e as “cinco direções”
(norte, sul, leste, oeste e centro), alude, decerto, às práticas do budismo monástico,
com forte influência sobre as ideias que também atravessam o “Livro Tibetano
dos Mortos”.
J.A.R. – H.C.
Octavio Paz
(1914-1998)
Deprecación
(Tablilla)
Debemur morti nos nostraque.
Horacio
No he sido Don Quijote,
no deshice ningún entuerto
(aunque a veces
me han apedreado los galeotes)
pero quiero,
como él, morir con los ojos abiertos.
Morir
sabiendo que morir es regresar
adonde no sabemos,
adonde,
sin esperanza, lo esperamos.
Morir
reconciliado con los tres tiempos
y las cinco direcciones,
el alma
– o lo que así llamamos –
vuelta em transparencia.
Pido
no la iluminación:
abrir los ojos,
mirar, tocar al mundo
con mirada de sol que se retira;
pido ser la quietud del vértigo,
la conciencia del tiempo
apenas lo que dure un parpadeo
del ánima sitiada;
pido
frente a la tos, el vómito, la mueca,
ser día despejado,
luz mojada
sobre tierra recién llovida
y que tu voz, mujer, sobre mi frente sea
el manso soliloquio de algún río;
pido ser breve centelleo,
repentina fijeza de un reflejo
sobre el oleaje de esa hora:
memoria y olvido,
al fin,
una misma claridad instantánea.
Mulher à beira do rio
(Ferdinand Heilbuth:
pintor franco-alemão)
Súplica
(Tabuinha)
Estamos destinados à morte,
nós e nossos bens.
(Horácio, Ars Poetica,
63)
Não fui Dom Quixote
nunca desfiz malfeito algum
(embora às vezes
tenha sido apedrejado pelos pastores)
porém quero,
como ele, morrer com os olhos abertos.
Morrer
sabendo que morrer é regressar
aonde não sabemos,
aonde,
sem esperança, o esperamos.
Morrer
reconciliado com os três tempos
e as cinco direções,
a alma
– ou o que assim chamamos –
vertida em transparência.
Peço
não a iluminação:
mas abrir os olhos,
ver, tocar o mundo
com o olhar de sol que se retira;
peço ser a quietude da vertigem,
a consciência do tempo
enquanto perdurar a piscadela
do espírito sitiado;
peço
frente à tosse, ao vômito, ao esgar,
ser um dia sem nuvens,
luz molhada
sobre terra recém chovida
e que a tua voz, mulher, sobre minha fronte seja
o manso solilóquio de algum rio;
peço ser a breve centelha,
repentina firmeza de um reflexo
sobre o marulho dessa hora:
memória e olvido,
enfim,
uma mesma claridade instantânea.
Referência:
PAZ, Octavio. Deprecación. In: __________. Obras
completas. Obra poética II: 1969-1998. Árbol adentro: 1976-1988. Tomo XII.
Edición del autor. 1. ed. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 2004. p.
142-143. (Letras Mexicanas)
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