Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 19 de agosto de 2018

Octavio Paz - Súplica

Este fragmento dos “Exercícios Preparatórios”, de Paz, apresenta sua visão pessoal sobre o tema da morte, tema, aliás, que perpassa todos os poemas da referida seção. Parte ele do passamento de Dom Quixote, logo, não exatamente em luta contra os malfeitores, com o seu fiel companheiro Sancho Pança, senão em seu próprio leito de óbito.

 

A menção, no meio do poema, à reconciliação com os “três tempos” (o presente, o passado e o futuro) e as “cinco direções” (norte, sul, leste, oeste e centro), alude, decerto, às práticas do budismo monástico, com forte influência sobre as ideias que também atravessam o “Livro Tibetano dos Mortos”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Octavio Paz

(1914-1998)

 

Deprecación

(Tablilla)

 

Debemur morti nos nostraque.

Horacio

 

No he sido Don Quijote,

no deshice ningún entuerto

(aunque a veces

me han apedreado los galeotes)

pero quiero,

como él, morir con los ojos abiertos.

Morir

sabiendo que morir es regresar

adonde no sabemos,

adonde,

sin esperanza, lo esperamos.

Morir

reconciliado con los tres tiempos

y las cinco direcciones,

el alma

– o lo que así llamamos –

vuelta em transparencia.

Pido

no la iluminación:

abrir los ojos,

mirar, tocar al mundo

con mirada de sol que se retira;

pido ser la quietud del vértigo,

la conciencia del tiempo

apenas lo que dure un parpadeo

del ánima sitiada;

pido

frente a la tos, el vómito, la mueca,

ser día despejado,

luz mojada

sobre tierra recién llovida

y que tu voz, mujer, sobre mi frente sea

el manso soliloquio de algún río;

pido ser breve centelleo,

repentina fijeza de un reflejo

sobre el oleaje de esa hora:

memoria y olvido,

al fin,

una misma claridad instantánea.

 

Mulher à beira do rio

(Ferdinand Heilbuth: pintor franco-alemão)

 

Súplica

(Tabuinha)

 

Estamos destinados à morte,

nós e nossos bens.

(Horácio, Ars Poetica, 63)

 

Não fui Dom Quixote

nunca desfiz malfeito algum

(embora às vezes

tenha sido apedrejado pelos pastores)

porém quero,

como ele, morrer com os olhos abertos.

Morrer

sabendo que morrer é regressar

aonde não sabemos,

aonde,

sem esperança, o esperamos.

Morrer

reconciliado com os três tempos

e as cinco direções,

a alma

– ou o que assim chamamos –

vertida em transparência.

Peço

não a iluminação:

mas abrir os olhos,

ver, tocar o mundo

com o olhar de sol que se retira;

peço ser a quietude da vertigem,

a consciência do tempo

enquanto perdurar a piscadela

do espírito sitiado;

peço

frente à tosse, ao vômito, ao esgar,

ser um dia sem nuvens,

luz molhada

sobre terra recém chovida

e que a tua voz, mulher, sobre minha fronte seja

o manso solilóquio de algum rio;

peço ser a breve centelha,

repentina firmeza de um reflexo

sobre o marulho dessa hora:

memória e olvido,

enfim,

uma mesma claridade instantânea.

 

Referência:

 

PAZ, Octavio. Deprecación. In: __________. Obras completas. Obra poética II: 1969-1998. Árbol adentro: 1976-1988. Tomo XII. Edición del autor. 1. ed. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 2004. p. 142-143. (Letras Mexicanas)

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