A realidade confrange o poema, ao se expressar
hedionda e desumana, a exemplo de quando a fome grassa, aqui como alhures,
enquanto outros abundam à força de extorsões e ganâncias, fazendo a apologia do
“mercado” – essa entidade que a tudo reduz em cifras e cifras.
Não há transparência e inteireza na apreciação
do belo, na absorção da poesia que das coisas do mundo provêm, quando em
paragens desse mesmo mundo se encontram, lado a lado, o luxo e a favela, a
exploração e o tradicionalismo reacionário, a mendicância e a politicalha. Se a
sociedade acha-se doente, como ou quando se poderá usufruir de poesia saudável,
em seu legítimo estado?!
J.A.R. – H.C.
Emil de Castro
(n. 1941)
Ser Poema
Ah impossível ser somente vento
nas ruas.
Um sentido de mar no cais
com a ilha na carne.
Ah impossível ser pássaro
passeando plumas na calçada.
Um mastigar verde nas retinas
com o mundo na janela.
Ah impossível ser poema
com tanta gente morrendo.
Em: “O Relógio e o Sono” (1969)
Volteios ao Fim da Tarde
(Jackie Noonan: pintora
canadense)
Referência:
CASTRO, Emil de. Ser poema. In:
__________. 50 poemas escolhidos pelo autor. Rio de Janeiro, RJ:
Edições Galo Branco, 2003. p. 70. (Coleção ‘50 poemas escolhidos pelo autor’;
v. 6)
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