Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Carlos Nejar - Os Fuzilados de Goya

Nejar atribui um sentido mais abstrato – menos específico, portanto, naquilo que se refere a um evento ocorrido na colina do Príncipe Pío, em Madrid, quando da invasão napoleônica à Espanha, em 1808, que vitimou por volta de 400 pessoas –, às impressões que se podem extrair do famoso quadro de Goya.

Afirma o poeta que, quem quer que possua o poder ou a força para nos matar, mata-nos o corpo, mas não a alma, ela que perdura pela robustez dos sonhos a que se agarra, vivendo, por conseguinte, num plano de vida incapaz de ser violentado, eis que desdobrado em uma ponte para a eternidade.

J.A.R. – H.C.


Carlos Nejar
(n. 1939)

Os Fuzilados de Goya

 

Morremos

mas não abrimos mão

do que sonhando,

é mais do que estar vivo,

é ter vivido

o último percalço

do equilíbrio.

 

Os homens não toleram

a consciência, nem

se toleram como feras.

E se à luz não se apegam,

são mais tristes, duros,

solitários. Gorjeando

contra o frio, os ledos

ossos.

 

Morremos. Onde é alma,

sobrevive. E toda a eternidade

é ver o instante

que as armas nos apontam

com seu fogo.

 

E mais que a pontaria,

o grito enorme,

como flores caladas

junto aos olhos.

São pálpebras que falam

o seu ódio.

 

O pelotão explode

e nós olhamos na cara

o vosso susto, a morte

que nos dais, o sonho

florescendo igual a um campo,

onde fuzis plantados,

se levantam.

 

E esta porta

aberta

sobre a morte.


Os Fuzilamentos de Três de Maio
(Francisco de Goya: pintor espanhol)

Referência:

NEJAR, Carlos. Os Fuzilados de Goya. In: __________. Antologia poética de Carlos Nejar. Prefácio, organização e selecção de António Osório. 1. ed. Cascais, PT: Pergaminho, 2003. p. 162-163. (‘Poesia Fértil: lembrando Paul Eluard’; nº 4)

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