Nunes promove certas conexões com a escrita
confessional de Lowell, suas incursões tenazes sobre o tema da morte, os versos
como um periscópio a vasculhar as incongruências familiares – muito em razão,
diga-se, de sua manifesta bipolaridade, convolada em manias e depressões, que o
levaram a ser hospitalizado vezes sem conta.
É a matéria da memória que, em grande medida, se
transmuta na poesia de Lowell, agora íntima e vulnerável, distante, assim, da
escrita tradicional em padrões formais, presente em suas criações iniciais. Na
espontaneidade do verso livre, surge então a linguagem franca, preservada por
um estoque de palavras reiteradamente renovado e convertida numa autêntica autobiografia
poética.
J.A.R. – H.C.
Cassiano Nunes
(1921-2007)
A Robert Lowell
I
O poeta é um estoico
de forma muito natural.
O verde pútrido do charco
Aceita como lugar.
Mártir? Quem o crê, ao contemplar
secos seus olhos?
Ouve-se a ária límpida da flauta,
não o quebrar dos ossos.
II
Os mortos insistem
no diálogo,
na quase extinta língua morta,
chamada passado.
Nos recusamos: e os importunos
resolvem os repelir com desdém forte,
como se a vida que levamos,
só fosse vida sem a morte.
Em: “Jornada” (1972)
Lótus Rosa
(Judy Schubert: pintora
norte-americana)
Referência:
NUNES, Cassiano. A Robert Lowell. In:
__________. Obra reunida: poesia; v. 1. Organização de Maria
de Jesus Evangelista. Brasília, DF: Centro Editorial, 2015. p. 63.
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