A voz lírica, um dos vizinhos que
tentam recompor um muro que separa duas propriedades rurais, entende que a
divisória é uma inutilidade, não fosse ela mantida apenas por força da
tradição, pois, em termos práticos, não há semoventes que possam passar,
indevidamente, de um terreno a outro, senão apenas macieiras do lado daqui e
pinheiros do lado de lá.
Contudo, o seu vizinho mantém-se firme
na necessidade de o muro conservar-se íntegro, pois de há muito repercute em
sua mente a máxima – “Boas cercas fazem bons vizinhos” –, assim como prevalece
os instintos no comportamento dos animais.
Parece-me que nem tanto a terra nem
tanto ao mar. Por que não ficar em cima do muro?! (rs). Afinal, as pessoas são
diferentes em muitos aspectos: para um vizinho a quem o sentido de posse
prevalece obstinadamente, é mais prudente que haja um muro; para um vizinho
boa-praça, é um custo a menos!
J.A.R. – H.C.
Robert Frost
(1874-1963)
Mending Wall
Something there is that doesn’t love a
wall,
That sends the frozen-ground-swell
under it,
And spills the upper boulders in the
sun;
And makes gaps even two can pass
abreast.
The work of hunters is another thing:
I have come after them and made repair
Where they have left not one stone on a
stone,
But they would have the rabbit out of
hiding,
To please the yelping dogs. The gaps I
mean,
No one has seen them made or heard them
made,
But at spring mending-time we find them
there.
I let my neighbour know beyond the
hill;
And on a day we meet to walk the line
And set the wall between us once again.
We keep the wall between us as we go.
To each the boulders that have fallen
to each.
And some are loaves and some so nearly
balls
We have to use a spell to make them
balance:
“Stay where you are until our backs are
turned!”
We wear our fingers rough with handling
them.
Oh, just another kind of out-door game,
One on a side. It comes to little more:
There where it is we do not need the
wall:
He is all pine and I am apple orchard.
My apple trees will never get across
And eat the cones under his pines, I
tell him.
He only says, “Good fences make good
neighbours.”
Spring is the mischief in me, and I
wonder
If I could put a notion in his head:
“Why do they make good neighbours?
Isn’t it
Where there are cows? But here there
are no cows.
Before I built a wall I’d ask to know
What I was walling in or walling out,
And to whom I was like to give offence.
Something there is that doesn’t love a
wall,
That wants it down.” I could say
“Elves” to him,
But it’s not elves exactly, and I’d
rather
He said it for himself. I see him there
Bringing a stone grasped firmly by the
top
In each hand, like an old-stone savage
armed.
He moves in darkness as it seems to me,
Not of woods only and the shade of
trees.
He will not go behind his father’s
saying,
And he likes having thought of it so
well
He
says again, “Good fences make good neighbours.”
O Conserto do Muro
(Ken Fiery: pintor
norte-americano)
O Conserto do Muro
Existe alguma coisa que detesta os
muros,
Sob eles faz inchar a terra congelada,
Ao sol derrama as pedras superiores,
E rasga brechas em que dois passam de
frente.
A obra dos caçadores é outra coisa:
Tenho seguido as suas pegadas,
trabalhando
Onde não deixam pedra sobre pedra
Até espantarem o coelho de sua toca
Para o agrado dos cães sempre a latir.
Tais brechas
A que me referi, ninguém viu serem
feitas,
Nem ouviu serem feitas, mas na
primavera
Eu as encontro lá, no tempo dos
consertos.
Aviso meu vizinho lá detrás do monte,
E marcamos um dia para vistoriar
E levantar de novo o muro entre nós
dois.
E vamos juntos, com o muro entre nós
dois.
Cada um repõe o que rolou para seu
lado.
Umas pedras são pães e outras parecem
bolas,
E só por mágica as mantemos no lugar:
“Até que nos viremos, fiquem onde
estão!”
Os dedos criam calos ao lidar com elas.
Com um de cada lado, isto não passa
De outro jogo ao ar livre. E nada mais
talvez:
Desnecessário é o muro onde se
encontra:
Além há um pinheiral e aqui há
macieiras.
As macieiras, digo-lhe, não vão passar
E comer seus pinhões. Mas ele secamente
Responde: “Boas cercas fazem bons
vizinhos”.
A primavera é a minha malvadeza, e
penso
Ser capaz de enfiar-lhe ideias na
cabeça:
“Mas por que fazem bons vizinhos? Não
seria
Apenas onde há gado? E aqui não temos
gado.
Antes de erguer um muro, sempre me
pergunto
O que busco reter e o que busco deter
E a quem ofenderia, se não o fizesse.
Existe alguma coisa que detesta os
muros,
E os quer ver arrasados!” Dir-lhe-ia
que os “elfos”;
Mas não são elfos propriamente, e eu
gostaria
Que ele mesmo o dissesse. E observo
como traz
Firmemente uma pedra em cada mão, pelo
alto,
Igual a um homem das cavernas bem
armado.
Caminha pelas trevas, me parece,
Que não são as dos bosques ou das
sombras de árvores,
E, sem nunca ir além do dito de seu
pai,
Satisfeito de nele haver pensado tanto,
Repete: “Boas cercas fazem bons
vizinhos”.
Referência:
FROST, Robert. Mending wall / O
conserto do muro. Tradução de Paulo Vizioli. In: VIZIOLI, Paulo (Seleção e
Tradução). Poetas norte-americanos. Edição comemorativa do bicentenário
da independência dos Estados Unidos da América: 1776-1976. Antologia bilíngue.
São Paulo, SP: Editora Lidador, 1974. Em inglês e em português: p. 57.
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