Independentemente da maneira de ser de nossos
pais, eles nos marcam de qualquer modo, para o bem ou para o mal. Das histórias
narradas pelos filhos podem-se captar as representações que lhes calaram fundo
n’alma: neste caso, o poeta presume haver herdado do pai a tendência ao
silêncio e ao cuidado com as plantas à volta.
Nada obstante, o pai, enquanto figura mítica,
vai-se esmaecendo no “atormentado sótão da memória” do autor, ainda que o
acompanhe “tempo afora”. Quando o poeta dele se lembra, assomam as memórias do
tempo de infância, nas imediações dos currais, por onde podia vê-lo no trato
com o seu dileto cavalo...
J.A.R. – H.C.
Jaci Bezerra
(n. 1944)
No sonho a mão de alguém
me apoia e guia
O pai tinha um cavalo
luminoso
e cuidava das rosas do
jardim,
porém seu coração não
tinha pouso
e, por isso, ele foi um
homem assim,
calado e só, talvez
misterioso,
mesmo ao bordar estórias
para mim.
Dele herdei o silêncio
em que me movo
e os meus pastos de
antúrio e de capim.
Ao recordá-lo, inteiro
me enterneço.
O pai é a minha infância
aurorescendo
nesses currais de luz
onde adormeço.
Mito que me acompanha
tempo afora,
O pai é uma canção
esmaecendo
no atormentado sótão da
memória.
Pai e Filho
(Bruce Greene: pintor
norte-americano)
Referência:
BEZERRA, Jaci. No sonho a mão de alguém me apoia
e guia. In: MORAIS, Heloísa Arcoverde de; BRAZIL, Magali (Orgs.). Recife: um
olhar transatlântico / Nantes: un regard transatlantique.
Antologia Poética / Anthologie poétique. Traduções de Everardo Norões e Renaud
Barbaras. Recife, PE: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2007. p. 131.
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