“Mas a razão principal nem é essa. A razão
principal é que já não há muita gente que tenha tempo a perder com o deserto.
Não sabem para que serve e, quando me perguntam o que há lá e eu respondo
“nada”, eles riscam mentalmente essa viagem dos seus projectos. Viajam antes em
massa para onde toda a gente vai e todos se encontram. As coisas mudaram muito,
Cláudia! Todos têm terror do silêncio e da solidão e vivem
a bombardear-se de telefonemas, mensagens escritas, mails e
contactos no Facebook e nas redes sociais da Net, onde se oferecem como amigos
a quem nunca viram na vida. Em vez do silêncio, falam sem cessar; em vez de se
encontrarem, contactam-se, para não perder tempo; em vez de se descobrirem,
expõem-se logo por inteiro: fotografias deles e dos filhos, das férias na neve
e das festas de amigos em casa, a biografia das suas vidas, com amores antigos
e actuais. E todos são bonitos, jovens, divertidos, “leves”, disponíveis,
sensíveis e interessantes. E por isso é que vivem esta estranha vida: porque,
muito embora julguem poder ter o mundo aos pés, não aguentam nem um dia de
solidão. Eis porque já não
há ninguém para atravessar o deserto. Ninguém capaz de enfrentar toda aquela
solidão”. (TAVARES, 2009, p. 116-117)
Miguel Sousa Tavares
(n. 1950)
Referência:
TAVARES, Miguel Sousa. No teu deserto: quase
romance. 1. ed., 2. reimp. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2009.
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