Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 11 de agosto de 2018

Miguel Sousa Tavares - Porto

 
Porto/Portugal

 

“Mas a razão principal nem é essa. A razão principal é que já não há muita gente que tenha tempo a perder com o deserto. Não sabem para que serve e, quando me perguntam o que há lá e eu respondo “nada”, eles riscam mentalmente essa viagem dos seus projectos. Viajam antes em massa para onde toda a gente vai e todos se encontram. As coisas mudaram muito, Cláudia! Todos têm terror do silêncio e da solidão e vivem a bombardear-se de telefonemas, mensagens escritas, mails e contactos no Facebook e nas redes sociais da Net, onde se oferecem como amigos a quem nunca viram na vida. Em vez do silêncio, falam sem cessar; em vez de se encontrarem, contactam-se, para não perder tempo; em vez de se descobrirem, expõem-se logo por inteiro: fotografias deles e dos filhos, das férias na neve e das festas de amigos em casa, a biografia das suas vidas, com amores antigos e actuais. E todos são bonitos, jovens, divertidos, “leves”, disponíveis, sensíveis e interessantes. E por isso é que vivem esta estranha vida: porque, muito embora julguem poder ter o mundo aos pés, não aguentam nem um dia de solidão. Eis porque já não há ninguém para atravessar o deserto. Ninguém capaz de enfrentar toda aquela solidão”. (TAVARES, 2009, p. 116-117)

 

Miguel Sousa Tavares

(n. 1950)

 

Referência:

 

TAVARES, Miguel Sousa. No teu deserto: quase romance. 1. ed., 2. reimp. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2009.

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