Interessei-me por esta canção de Berryman em
razão de nela se observar a presença de um personagem –
Henry – e o seu alterego, a que a voz lírica intercalada chama
“Mr Bones”, decerto uma parelha com a ideia de morte, pois “bone” vale tanto
quanto um “osso” e, como grafado no plural, estende-se à ideia
de “esqueleto”.
Ademais, o poema menciona “uma bala na varanda”,
e por julgar algo insólita a presença de tal referência no meio de um verso da
segunda estrofe, busquei investigar algo da própria biografia de Berryman, e
descobri que o seu pai cometeu suicídio com arma de fogo. Em razão disso, penso
haver na mente do poeta certa propensão a se juntar ao pai, que se não vem ter
à sua presença, incita-o, em vez disso, a buscá-la.
J.A.R. – H.C.
John Berryman
(n. 1914-1972)
From “The Dream Songs”
76 – Henry’s Confession
Nothin very bad happen
to me lately.
How you explain that? –
I explain that, Mr Bones,
terms o' your bafflin
odd sobriety.
Sober as man can get, no
girls, no telephones,
what could happen bad to
Mr Bones?
– If life is a
handkerchief sandwich,
in a modesty of death I
join my father
who dared so long agone
leave me.
A bullet on a concrete
stoop
close by a smothering
southern sea
spreadeagled on an
island, by my knee.
– You is from hunger, Mr
Bones,
I offers you this
handkerchief, now set
your left foot by my
right foot,
shoulder to shoulder,
all that jazz,
arm in arm, by the
beautiful sea,
hum a little, Mr Bones.
– I saw nobody coming,
so I went instead.
A bela e a fera: uma
mulher
e um híbrido de homem e
animal
(Ryohei Hase: ilustrador
japonês)
De “As Canções do Sonho”
76 – A Confissão de
Henry
Nada muito mal ocorreu
comigo ultimamente.
Como você explicaria
isso? – Eu lhe relatarei, Mr Bones,
os termos de sua
estranha sobriedade desconcertante.
Sóbrio tanto quanto um
homem pode ser, sem garotas,
nem telefones,
Que mal poderia
suceder-lhe, Mr Bones?
– Se a vida for um
sanduíche de lenços,
na modéstia da morte
junto-me ao meu pai,
que ousou deixar-me há
tanto tempo.
Uma bala numa varanda de
concreto,
perto de um sufocante
mar do sul
esparramado numa ilha,
sobre os meus joelhos.
– Você provém da fome,
Mr Bones,
Ofereço-lhe este lenço;
agora aproxime o
seu pé esquerdo do meu
pé direito,
ombro contra ombro, todo
esse jazz,
de braços dados, pelo
mar fascinante,
cantarole um pouco, Mr
Bones.
– Não vi ninguém se
aproximando, fui lá ter em vez disso.
Referência:
BERRYMAN, John. From “The Dream Songs”: 76 – Henry’s Confession. In: McCLATCHY, J. D. (Ed.). The
vintage book of contemporary american poetry. 2nd ed. New York, NY:
Vintage Books (A Division of Random House Inc.), march 2003. p.
52.
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