Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 25 de agosto de 2018

Robert Desnos - Destino Arbitrário

Estranha, insólita, incomum são adjetivos que poderiam ser empregados para a poesia de matiz surrealista – e tanto mais para a de Desnos, um especialista em automatismo verbal e relato de sonhos –, ponto de encontro entre o inusitado e a espontaneidade da escrita, como que a expressar desejos e fantasias meândricas, por trás de aparentes metáforas para a libido.

 

Parece que estamos penetrando numa galáxia do absurdo, nosso “arbitrário destino”, sítio por onde se verte uma expressiva larva mediúnica, local preferencial para todas as quimeras, com potencial para se transformar em riso e espanto, por mesclar objetos de diferentes mundos, resultando em imagens, no mínimo, ambivalentes, capazes de desafiar quaisquer tentativas de interpretação...

 

J.A.R. – H.C.

 

Robert Desnos

(1900-1945)

 

Destinée Arbitraire

à Georges Malkine

 

Voici venir le temps des croisades.

Par la fenêtre fermée les oiseaux s’obstinent à parler

comme les poissons d’aquarium.

À la devanture d’une boutique

une jolie femme sourit.

Bonheur tu n’es que cire à cacheter

et je passe tel un feu follet.

Un grand nombre de gardiens poursuivent

un inoffensif papillon échappé de l’asile.

Il devient sous mes mains pantalon de dentelle

et ta chair d’aigle.

Ô mon rêve quand je vous caresse!

Demain on enterrera gratuitement

on ne s’enrhumera plus

on parlera le langage des fleurs

on s’éclairera de lumières inconnues à ce jour.

Mais aujourd’hui c’est aujourd’hui.

Je sens que mon commencement est proche

pareil aux blés de juin.

Gendarmes passez-moi les menottes.

Les statues se détournent sans obéir.

Sous leur socle j’inscrirai des injures et le nom

de mon pire ennemi.

Là-bas dans l’océan

entre deux eaux

un beau corps de femme

fait reculer les requins.

Ils montent à la surface se mirer dans l’air

et n’osent pas mordre aux seins

aux seins délicieux.

 

Dans: “C’est les bottes de sept lieues

cette phrase: ‘Je me vois’” (1926)

 

Cactos: flores na praia

(Agostino Veroni: pintor italiano)

 

Destino Arbitrário

a Georges Malkzine

 

Eis que chega o tempo das cruzadas.

Através das janelas fechadas os pássaros

se obstinam em falar

como peixes de aquário.

Frente a uma loja

uma bonita mulher sorri.

Felicidade não és mais que cera para lacrar

e eu passo como um fogo fátuo.

Um grande número de guardas persegue

uma borboleta inofensiva que escapou do asilo.

Ela se torna em minhas mãos calças de renda

e de águia se torna a tua carne.

Oh sonho meu quando te acaricio!

Amanhã haverá enterros gratuitos

ninguém mais pegará resfriados

as pessoas falarão na linguagem das flores

e brilharão com luzes até hoje desconhecidas.

Mas o dia de hoje é o dia de hoje.

Sinto que o meu começo está próximo

à semelhança do trigo em junho.

Gendarmes me algemam.

As estátuas viram as costas sem obedecer.

Em seus pedestais inscreverei insultos e o nome

de meu pior inimigo.

Acolá no oceano

no meio da água

um belo corpo de mulher

faz recuar os tubarões.

Eles sobem à superfície para se observar no ar

e não se atrevem a moder-lhe os seios

aqueles seios deliciosos.

 

Em: “É a bota de sete léguas

esta frase: ‘Eu me vejo’” (1926)

 

Referência:

 

DESNOS, Robert. Destinée arbitraire. In: MATTHEWS, J. H. (Ed.). An anthology of french surrealist poetry. London, EN: University of London Press Ltd., 1966. p. 85-86. (“Textes Français Classiques et Modernes”)

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