Estranha, insólita, incomum são adjetivos que
poderiam ser empregados para a poesia de matiz surrealista – e tanto mais para
a de Desnos, um especialista em automatismo verbal e relato de sonhos –, ponto
de encontro entre o inusitado e a espontaneidade da escrita, como que a
expressar desejos e fantasias meândricas, por trás de aparentes metáforas para
a libido.
Parece que estamos penetrando numa galáxia do
absurdo, nosso “arbitrário destino”, sítio por onde se verte uma expressiva
larva mediúnica, local preferencial para todas as quimeras, com potencial para
se transformar em riso e espanto, por mesclar objetos de diferentes mundos,
resultando em imagens, no mínimo, ambivalentes, capazes de desafiar quaisquer
tentativas de interpretação...
J.A.R. – H.C.
Robert Desnos
(1900-1945)
Destinée Arbitraire
à Georges Malkine
Voici venir le temps des
croisades.
Par la fenêtre fermée
les oiseaux s’obstinent à parler
comme les poissons
d’aquarium.
À la devanture d’une
boutique
une jolie femme sourit.
Bonheur tu n’es que cire
à cacheter
et je passe tel un feu
follet.
Un grand nombre de
gardiens poursuivent
un inoffensif papillon
échappé de l’asile.
Il devient sous mes
mains pantalon de dentelle
et ta chair d’aigle.
Ô mon rêve quand je vous
caresse!
Demain on enterrera
gratuitement
on ne s’enrhumera plus
on parlera le langage
des fleurs
on s’éclairera de
lumières inconnues à ce jour.
Mais aujourd’hui c’est
aujourd’hui.
Je sens que mon
commencement est proche
pareil aux blés de juin.
Gendarmes passez-moi les
menottes.
Les statues se
détournent sans obéir.
Sous leur socle
j’inscrirai des injures et le nom
de mon pire ennemi.
Là-bas dans l’océan
entre deux eaux
un beau corps de femme
fait reculer les
requins.
Ils montent à la surface
se mirer dans l’air
et n’osent pas mordre
aux seins
aux seins délicieux.
Dans: “C’est les
bottes de sept lieues
cette phrase: ‘Je me
vois’” (1926)
(Agostino Veroni: pintor
italiano)
Destino Arbitrário
a Georges Malkzine
Eis que chega o tempo
das cruzadas.
Através das janelas
fechadas os pássaros
se obstinam em falar
como peixes de aquário.
Frente a uma loja
uma bonita mulher sorri.
Felicidade não és mais
que cera para lacrar
e eu passo como um fogo
fátuo.
Um grande número de
guardas persegue
uma borboleta inofensiva
que escapou do asilo.
Ela se torna em minhas
mãos calças de renda
e de águia se torna a
tua carne.
Oh sonho meu quando te
acaricio!
Amanhã haverá enterros
gratuitos
ninguém mais pegará
resfriados
as pessoas falarão na
linguagem das flores
e brilharão com luzes
até hoje desconhecidas.
Mas o dia de hoje é o
dia de hoje.
Sinto que o meu começo
está próximo
à semelhança do trigo em
junho.
Gendarmes me algemam.
As estátuas viram as
costas sem obedecer.
Em seus pedestais
inscreverei insultos e o nome
de meu pior inimigo.
Acolá no oceano
no meio da água
um belo corpo de mulher
faz recuar os tubarões.
Eles sobem à superfície
para se observar no ar
e não se atrevem a
moder-lhe os seios
aqueles seios
deliciosos.
Em: “É a bota de sete
léguas
esta frase: ‘Eu me vejo’”
(1926)
Referência:
DESNOS, Robert. Destinée arbitraire. In:
MATTHEWS, J. H. (Ed.). An anthology of french surrealist poetry.
London, EN: University of London Press Ltd., 1966. p. 85-86. (“Textes Français
Classiques et Modernes”)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário