Nesta espécie de ode ao proletário, figura comum
no mundo industrial então em plena expansão, o poeta fixa-se numa paisagem
fabril trivial, esteticamente nada bela, para vertê-la em objeto poético,
diga-se, não tão frequente em sua obra – como o seria, por exemplo, na do russo
Vladimir Maiakovski.
O léxico empregado, associado ao trabalho e suas
ferramentas, favorece a ideação de uma imagem de vida difícil, a contrastar com
o silêncio retraído ao som das máquinas, embora resplenda certa forma de
beleza. A ação do trabalho torna-se, assim, verdadeira obra de arte nessa
espécie de estética das coisas ordinárias da realidade.
J.A.R. – H.C.
Guillaume Apollinaire
(1880-1918)
Au prolétaire
Ô captif innocent qui ne
sais pas chanter
Écoute en travaillant
tandis que tu te tais
Mêlés aux chocs d’outils
les bruits élémentaires
Marquent dans la nature
un bon travail austère
L’aquilon juste et pur
ou la brise de mai
De la mauvaise usine
soufflent la fumée
La terre par amour te
nourrit les récoltes
Et l’arbre de science où
mûrit la révolte
La mer et ses nénies
dorlotent tes noyés
Et le feu le vrai feu
l’étoile émerveillée
Brille pour toi la nuit
comme un espoir tacite
Enchantant jusqu’au jour
les bleuités du site
Où pour le pain
quotidien peinent les gars
D’ahans n’ayant qu’un
son le grave l’oméga
Ne coûte pas plus cher
la clarté des étoiles
Que ton sang et ta vie
prolétaire et tes moelles
Tu enfantes toujours de
tes reins vigoureux
Des fils qui sont des
dieux calmes et malheureux
Des douleurs de demain
tes filles sont enceintes
Et laides de travail tes
femmes sont des saintes
Honteuses de leurs mains
vaines de leur chair nue
Tes pucelles voudraient
un doux luxe ingénu
Qui vînt de mains
gantées plus blanches que les leurs
Et s’en vont tout en
joie un soir à la male heure
Or tu sais que c’est toi
toi qui fis la beauté
Qui nourris les humains
des injustes cités
Et tu songes parfois aux
alcôves divines
Quand tu es triste et
las le jour au fond des mines
Os Fragmentadores de
Pedras
(Gustave Courbet: pintor
francês)
Ao proletário
Ó cativo inocente que
não sabes cantar
Escuta trabalhando
enquanto deves calar
Com os golpes de
ferramentas o ruído elementar
Marca na natureza o bom
e austero trabalho
O vento justo e puro ou
a brisa de maio
Da feia usina sopram a
fumaça
A terra por amor
alimenta tua carcaça
E a árvore da ciência
que nutre a revolta
O mar e seu réquiem teus
afogados envolta
E o verdadeiro fogo
estrela maravilhosa
Brilha por ti a noite
como esperança formosa
Encantando até o dia o
local azulado
Onde pelo pão cotidiano
sofre o coitado
Com somente um som grave
ômega brado
Não custa mais caro a
luz das estrelas
Do que teu sangue e tua
vida proletária e tuas medulas
Dás à luz sempre dos
teus vigorosos rins
Filhos que são deuses
calmos e infelizes
Das dores de amanhã
estão grávidas tuas filhas tantas
E feias do trabalho tuas
mulheres são santas
Envergonhadas de suas
mãos vãs de carne nua
Tuas virgens queriam um
doce luxo ingênuo
Que viesse de mãos
enluvadas mais brancas que as delas
E vão embora alegres uma
noite na hora das mazelas
Ora você sabe que és tu
que fizestes a beldade
Que alimenta os humanos
da injusta cidade
E pensas às vezes em
alcovas divinas
Quando és triste e
cansado de dia no fundo das minas
Referências:
Em Francês
APOLLINAIRE, Guillaume. Au prolétaire. In: Œuvres
poétiques. Préface par André Billy, texte établi et annoté par Marcel Adéma et Michel Décaudin. Paris, FR: Gallimard, 1959.
p. 520. (“Bibliothèque de la Pléiade”)
Em Português
APOLLINAIRE, Guillaume. Ao proletário. Tradução
de Daniel Fresnot. In: __________. Álcoois e outros poemas.
Tradução de Daniel Fresnot. São Paulo, SP: Martin Claret, 2005. p. 147.
(Coleção ‘A Obra-Prima de Cada Autor’)
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